No último sábado, estive em uma comunidade carente
distribuindo brinquedos que ajudei a arrecadar durante meses. Eu e um grupo de
outras nove pessoas, incluindo um que se vestiu de Papai Noel num calor
inclemente. Ao todo, foram quase 80 crianças atendidas em cerca de uma hora e
meia. E vimos de tudo: descalços, maltrapilhos, sujos... Uma senhora que
cuidava de 15 crianças, sendo que nenhuma era filha dela; uma outra que, mesmo
aparentando ter menos de 40 anos, tinha 10 filhos, sendo o mais velho com 25; alguns
órfãos de uma guerra contra as (ou pelas) drogas... Em todos (em quase todos na
verdade, porque pude constatar empiricamente que cerca de 10% dos pequenos têm
medo de Papai Noel), era possível ver estampado o sorriso no rosto ao ver o bom
velhinho. E olha que foram atendidos de bebês de colo até adolescentes de uns 14,
15 anos.
Conta a lenda concebida por Theodore Seuss Geisel, que uma
criatura feia, verde e peluda chamada Grinch roubava o Natal, tendo seus
motivos dignos de terapia para isso. As crianças às quais eu me refiro não
precisaram de monstros mitológicos para terem um Natal atrás do outro sem saber
o que seria um presente, uma ceia ou uma celebração em família. Tiveram muito
de um Natal de conto de fadas roubado pela dura realidade em que vivem. Mas
nunca abandonaram a sua crença no velho senhor de barba longa e branca e vestes
vermelhas.
Sim, Papai Noel é uma mentira. Vermelho então, apenas por
causa da Coca-Cola. Jesus não nasceu em 25 de dezembro, que foi um dia escolhido
para ser exatamente uma semana antes do Réveillon e facilitar as festas de fim
de ano. A data se tornou algo muito mais comercial e perdeu seu significado
original para muitas pessoas. Muitos se aproveitam para posarem de bons cordeirinhos
quando, na verdade, são velhos lobos amorais. Mas é inegável que a data tem a
sua magia própria para quem a celebra e consegue, como poucas, unir grande
parte da população mundial em torno dela. Eu sou uma pessoa que acredita que o
pensamento é a maior arma do ser humano e quando diversos deles estão irmanados
em uma só intenção, para mim, é evidente que se estabelece uma atmosfera única –
mesmo que seja passageira para alguns.
Lembro até hoje do dia que descobri que Papai Noel não
existia. Foi a minha prima Marcela quem me contou, após a nossa prima Cintia
contar para ela (coincidência ou não, Cintia era a prima mais velha, depois vínhamos
Marcela e eu, nessa ordem). Eu e Marcela tínhamos os nossos cinco anos, estávamos
na casa dos nossos tios Francisco e Maria José, pais de Cintia. Quando Marcela me
revelou a informação cabal, lembro que a minha reação imediata foi dizer que eu
já sabia. Por dentro, me remoia de incredulidade e, por que não, luto. Nunca
fui de acreditar em Coelhinho da Páscoa ou Fada do Dente, mas Papai Noel era
PAPAI NOEL, pô... Acho que essa missão infantil só não foi pior do que largar a
chupeta (mas isso é trauma para outra coluna). Nem por isso passei adiante a
dura informação para minha irmã ou meus outros primos. Apenas contei para meus
pais que já sabia – e eles confirmaram o inevitável. E deixei os demais
pequenos acreditando na lenda que descia pela chaminé (embora ninguém tivesse
uma chaminé no Rio de Janeiro).
Outra lembrança que tenho da minha infância foi de uma curta
época de vacas magras familiares (tempos de FHC, mas isso também não é papo pra
essa coluna...) em que eu e minha irmã não tivemos como ganhar presentes dos
meus pais. Mesmo assim, esperávamos ansiosos por estarmos juntos à mesa, mesmo
que fossemos apenas nós quatro. Ainda que fosse no período em que nossos pais
se separaram, sempre estivemos juntos. Definitivamente, não era um sentimento
comercial que nos movia a estar ali...
Natal significa Nascimento. E assim como quem inventou o Ano
Novo nos deu uma oportunidade de recomeçar, quem o inseriu em nosso calendário
nos deu uma oportunidade de nascer de novo. Olhar para dentro de nós e
aproveitar a simbologia do nascimento de Cristo para repensarmos em nossas atitudes.
E não precisa seguir uma religião ou mesmo acreditar na existência de Jesus para
ter atitudes cristãs: basta você querer o bem do outro. Isso até ateus e
agnósticos fazem no seu dia-a-dia, mesmo sem muito saber por quê. Infelizmente,
até alguns dos que se dizem mais religiosos apenas se compadecem nessa época do
ano, quando deveriam agir assim ao ano inteiro. Mas, se pelo menos tiverem
aderido, por poucas horas, a essa corrente de humanidade e refletido um pouco
sobre o próximo, o Natal já terá valido a pena.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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