Eu sempre tive horror da figura do Ronald Reagan. Mas tinha muito mais pavor da Margareth Thatcher. Por causa dela, acreditava que a qualquer momento poderia eclodir a Terceira Guerra Mundial. Para piorar, lá em casa tudo era motivo para um terrorismo: meu avô e meu pai eram da Marinha e, em hipótese alguma, podia pensar ou falar mal do governo. Achava o presidente Geisel um carrasco, mas minha mãe tocava o rebu, dizendo que poderiam prender meu pai por causa das minhas críticas – como se uma criança de seis anos pudesse ter um senso tão crítico assim. Eu ainda nem tinha nascido durante o golpe de 1964, mas de tanto meus pais contarem aquelas histórias de perseguições, acreditava, na minha mente infantil, que poderiam invadir a nossa casa, prender todo mundo, queimarem meus livros e saquearem a geladeira.
Meu pavor aumentou quando o Reino Unido declarou guerra à Argentina por causa das Ilhas Malvinas. Sempre achei a história desse conflito meio sem propósito. Eu tinha uns 12 anos e não entendia direito o porquê daquilo tudo... Analisando geograficamente, a Inglaterra era tão longe... e as Falklands estavam bem ali ao lado dos nossos hermanos. Pra quê os ingleses se importavam tanto com umas ilhotinhas tão sem graça e tão distantes?
Como meu pai era militar da ativa, minha cabeça fervilhava acreditando que ele também poderia ser convocado para lutar na guerra, minha mãe ficar viúva e a família sem dinheiro. Quando Thatcher dava as caras no Jornal Nacional, eu tremia nas bases, ajudado com a voz-fantasma de Cid Moreira. Aquele jeitão austero e robotizado de professora de colégio interno, fria e distante, sem esboçar nenhuma reação de compaixão sempre era associada às imagens de conflitos, bombas, mísseis, pessoas sendo pisoteadas, cavalos atropelando ingleses, carros sendo queimados... Aquela mulher realmente poderia destruir o mundo!
Somente anos mais tarde fui realmente entender o quebra pau pelo controle das Ilhas Malvinas. Desde 1883 a Grã-Bretanha ocupava e administrava as Falklands, mas os argentinos nunca engoliram esse domínio. Em 1982, o ditador argentino Leopoldo Galtieri lançou a invasão. Lógico que tinha uma politicagem no meio disso tudo: havia uma crise nas fronteiras argentinas e os ditadores eram acusados de abuso dos direitos humanos. Com a invasão, eles esperavam um apoio irrestrito da população e, como consequência, o governo militar sairia como o “bonzinho” da história. Mas foi aí que a Grã-Bretanha reagiu imediatamente mandando o triplo de combatentes da tropa argentina e ainda ganharam o apoio dos EUA. Com centenas de mortes e com o rabinho entre as pernas, o regime militar argentino caiu, foi substituído por um governo civil e Thatcher foi reeleita pelo seu Partido Conservador.
O Exército Republicano Irlandês, o IRA, também me assustava. O grupo terrorista, que foi o responsável por milhares de mortes, tinha o interesse em tornar a Irlanda do Norte independente da Inglaterra nas questões políticas e, inclusive, religiosas. E no alvo, sempre estavam os ingleses e Margareth Thatcher. A própria primeira-ministra quase morreu, junto com seu marido, em 1984, em um atentado num hotel em Londres quando os membros do governo estavam reunidos para a Convenção Anual do Partido Conservador.
Por causa de suas críticas à criação da União Europeia, ela perdeu totalmente o apoio de seu partido, que culminou com a sua renúncia ao cargo de primeira-ministra em 1990. Confesso que, depois disso, me senti um pouco mais aliviado. Afinal, o mundo poderia respirar melhor e sem os riscos de uma guerra nuclear, sem Thatcher.
Recentemente, ao me deparar com a vitrine vazia da Livraria da Travessa, somente com o cartaz “Je suis Charlie” em luto pelos acontecimentos bizarros no semanário satírico Charlie Hebdo e na mercearia judaica, na França, ainda continuo achando que, a qualquer momento, uma guerra vai começar através dos fundamentalistas islâmicos e extremistas.
Geisel, Reagan e Thatcher saíram do mundo e do meu infinito-mundo-paranoico-particular. Depois vieram as brigas entre o xá Reza Pahlevi e o líder religioso aiatolá Khomeini, que vivia exilado em Paris e, de lá mesmo, comandava as forças de oposição ao governo do xá. Agora, ainda existe o fantasma de Yossouf Fofana, Bin Laden e o Al-Qaeda.
Mesmo se estivesse viva, Thatcher não me assustaria mais. Hoje até acho que ela era uma senhorinha muito simpática, comparando com os personagens dos novos tempos, que apavoram o mundo nesse climão apocalíptico, num eterno quase-apertar do tão temido botão vermelho.
Um comentário:
É cara aí é muito fera! Não porque escreve bem ou entende de comunicação, mas porque tem um coração maior do que seus 1,80m...
Postar um comentário