Na minha última coluna escrevi sobre o Brasil que sai doarmário. Aquele que mostra a sua cara, para o bem ou para o mal (de acordo com
o ponto de vista). O Brasil que viu as vendas de O Boticário se ampliarem no Dia dos Namorados em 3%, mesmo em um cenário de retração econômica e contenção de
custos, depois de ter colocado no ar uma campanha celebrando o amor,
independentemente do gênero. Que motivou outras marcas, até concorrentes, como
Natura e Leite de Rosas, a tomarem rumos semelhantes. O mesmo Brasil, que
nesses poucos dias, também demonstrou imensa intolerância com as diferenças ao
tratar, mais uma vez, de religião.
Fazendo um recorte na última semana, vimos uma menina de
apenas 11 anos levar uma pedrada por ser candomblecista – e ainda tivemos que
ouvir que é uma escolha muito prematura para uma criança, quando cultos
católicos e evangélicos estão cheias delas, muitas vezes batizadas poucos meses
após vir ao mundo em suas igrejas. Depois, casos de depredação em um templo que
prestava consultas esotéricas à sua assistência. Na sequência, o túmulo do
médium Chico Xavier sofre uma tentativa de depredação (só não foi algo grave
pois seu vidro era blindado). E um dirigente de um grande centro espírita no
Rio de Janeiro aparece morto com sinais de tortura em sua casa, dentro da
instituição.
Alguns desses casos estão ainda sob investigação para
verificarem suas motivações. Mas não deixam de ser alertas para um momento de
tamanha agressividade àqueles que são diferentes. É triste saber que o nível de
respeito à individualidade alheia é cada vez menor, numa sociedade que, em
tese, deveria evoluir para melhor.
Eu mesmo já presenciei um grupo de evangélicos neopentecostais
irem a um terreiro de Umbanda para tentar converter o dirigente, no meio de uma
sessão. Depois de serem educadamente recebidos, começaram a proferir uma série
de agressões verbais, que só cessaram quando uma advogada que assistia à sessão
ameaçou chamar a Polícia. E isso já faz mais de sete anos. De lá pra cá, as
coisas só recrudesceram – embora, claro, não possamos generalizar todos os
evangélicos como agressores fundamentalistas, o que seria uma evidente
ignorância.
Meu amigo e idealizador deste Barba Feita, Leandro Faria,
alertou na semana passada sobre este assunto. Como ateu que é, falou de Jesus
Cristo com grande propriedade: era ele que falava que só deveria atirar a
primeira pedra quem nunca tivesse pecado. Ou que deveríamos oferecer a outra
face: um discurso completamente contra a agressão ou imposição. Ou ainda, conforme lembrado pelo Gregório Duvivier em sua coluna essa semana: Jesus era o
que abraçava leprosos, não julgava criminosos e dizia que era mais fácil um
camelo passar pelo furo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.
Mesmo assim, propagam-se mercadores da fé alheia pelos quatro cantos,
prometendo salvações pelo simples fato de se aderir à igreja X ou Y.
Minha mãe (ela sempre aparece por aqui...) foi uma pessoa
que me passou muitos valores religiosos, embora não tivesse um credo rotulado.
Sempre me ensinou que deveria respeitar até mesmo as religiões que ela
particularmente não gostava. Sempre me disse que não deveria esperar qualquer
retorno financeiro ou patrimonial da minha religião, seja ela qual fosse. Sempre
reforçou que ao optar por uma religião, que fosse para o meu aprimoramento
enquanto ser humano e para ajudar o próximo.
É difícil o exercício, mas o ensinamento do nazareno de 2
mil anos atrás ainda vale: é melhor oferecer a outra face em vez de devolver. E
nos desarmarmos das pedras que, por vezes, podemos estar carregando numa
humanamente crível vontade de vingança. Se alguém tivesse pensado nisso dias
atrás, teríamos uma criança a menos ferida fisicamente e milhares de fiéis a
menos feridos moralmente.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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