Olhava o relógio de parede, que
girava os ponteiros segundo a segundo, como se contasse um grande desperdício. Passou
a mão pelo queixo, ajeitou os óculos redondos. Tentou mais uma vez:
- Edgard, é nossa terceira
sessão. E até o momento você só tratou de amenidades. Preciso saber o que o
trouxe aqui. Certamente não foi o seu jogo de tênis com os amigos ou a panela
de pressão que está sem borracha.
O homem, deitado numa cadeira
reclinável, que se mostrava bastante confortável, parecia num desconforto sem
fim. A careca precoce suava levemente. Roía a unha do polegar direito, quase
que ao sabugo. Após um profundo suspiro tirou a mão da boca. E, finalmente,
proferiu:
- Eu me masturbo quando entro em
banheiros públicos.
De certa forma aliviado e, ao
menos tempo, ligeiramente desconcertado, o psicólogo devolveu:
- E como você se sente a respeito
disso.
- Um lixo. E ao mesmo tempo,
muito excitado.
Recordando rapidamente o que seus
livros lhe diziam a respeito, o terapeuta prosseguiu:
- Esse paradoxo é completamente
normal.
- Eu não me sinto normal.
- Na verdade, quis dizer
compreensível. Não existe algo que podemos definir como normal.
- Mas eu defino o que eu acho
normal. E eu não acho normal eu ficar excitado toda vez que eu entro num
banheiro público. Tocar os caras e ser tocado.
- O que te incomoda é o sexo com
outros homens?
- Não. Até porque pra mim não
importa se é homem, mulher, travesti... Eu só penso em sexo. O tempo todo.
- Defina o tempo todo...
- O tempo todo, doutor. Eu tô no
trabalho e eu acesso páginas de pornografia. Fico caçando nos arredores pra levar
alguém desconhecido pra escada de emergência e me satisfazer. Chego em casa e
vejo vídeos que eu gravei com pessoas que eu transei e nem sabem que foram
filmadas. Procuro alguém em aplicativo ou bate-papo pra levar pra cama. Às vezes
dois, três, quatro num dia só. Já tentei de tudo para desviar o foco... mas eu não
consigo!
O psicólogo coçou a cabeça entre
os cabelos castanhos. Ajeitou novamente os óculos:
- O primeiro e mais importante
passo você já deu, que é de reconhecer que isso está atrapalhando a sua vida.
Por outro lado, essa é a sua verdade, seu verdadeiro eu. Não podemos
simplesmente lutar contra isso. Temos que ver como isso pode se encaixar na sua
vida sem sofrimento para você.
- Mas eu luto, doutor. Eu luto! –
demonstrava certa agonia – Eu resolvi namorar uma menina ultra-católica.
Daquelas que só fazem sexo depois do casamento. Acreditei que, dessa forma,
canalizando nela e no celibato dela, conseguiria me controlar. Não deu certo! Eu
ficava com mais e mais tesão, me masturbo seis, sete vezes! Ou então acabava
traindo ela com alguém. Cheguei a ir me confessar com o padre da paróquia a
respeito disso. Sabe o que aconteceu?!
- O quê?
- Acabei transando com ele na
sacristia.
O terapeuta segurou a risada
típica da situação inusitada. Edgard prosseguiu:
- Eu me sinto sem saída, doutor.
Vejo site de pornografia todo dia. Sinto tesão em tudo: mulher, homem, trans,
mulher transando com cavalo, sadomasoquismo, escatologia... Tudo. Absolutamente
tudo. – mexia os dedos no braço da poltrona de forma nervosa – Doutor, eu tenho
tesão até em mulher grávida! Aliás, quando vejo uma, faço de tudo pra levar pra
cama. E já consegui algumas.
- Edgard...
- Olha só, doutor. Só de falar
sobre isso... eu já estou excitado!
- Edgard, você não está excitado.
No máximo você está tendo uma ereção. Excitação é da cabeça e, pelo que você
revela, você está sofrendo com isso. Prazer não pode ser igual a sofrimento.
São duas coisas dissociadas, embora possam até ter uma mesma raiz.
- Mas eu tô excitado, doutor.
Tudo o que eu consigo imaginar é no senhor completamente pelado nesse momento.
Tá vendo, doutor, eu não sei o que fazer! Me desculpa!
O terapeuta ruborizou-se de
pronto. Pensava em como sair da situação constrangedora:
- Edgard, é muito comum os
pacientes sentirem atração durante a terapia pelos seus psicólogos. É um sinal
de intimidade e reconhecimento. Você provavelmente nunca se abriu assim com
ninguém antes.
- Já sim. Com o padre. E acabamos
transando.
- Sim, mas o padre demonstrou que
a atração era recíproca. No meu caso, não é. Estou aqui apenas
profissionalmente para ajudar você a se encontrar.
- Doutor?
- Sim.
- Posso ir ao banheiro?
- Agora?
- Sim. Preciso me aliviar, doutor.
Meu saco está doendo já. Eu preciso, pra mim é uma necessidade.
Suspirou demonstrando certa
dúvida.
- Ok. Vai lá.
Correu para a recepção do
consultório, onde havia o sanitário.
O psicólogo esperou-o longamente.
Até tocar o telefone:
- Doutor Fagundes, posso chamar o
próximo paciente?
- Não, estou esperando o Edgard
retornar do banheiro.
- Ué, o senhor Edgard saiu do
banheiro faz tempo. E foi embora. Achei que o senhor tivesse encerrado a
consulta com ele já.
Sobressaltado pela notícia, fez
um sinal de reprovação com a cabeça.
- Ok, então. Pode chamar o
próximo.
Ao fim do dia, tomado pela
curiosidade, pesquisou pelo nome completo de Edgard numa rede social. Encontrou
seu perfil em detalhes. Viu belas fotos com pais, irmãos e sobrinhos. Procurou
um pouco mais e descobriu que era contador por ofício, fazia caminhadas e ginástica
nas horas vagas.
À noite, em um sonho muito real,
imaginou-se interagindo sexualmente com Edgard. Acabou acordado por uma
torrencial polução noturna.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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