A semana começou com uma data
daquelas pra aquecer o comércio, o Dia dos Pais, mas que eu, mesmo assim, não
consigo passar longe do meu. Meu pai e eu somos dois caras muito diferentes. Quando
eu era pequeno, não via nada dele em mim, exceto os olhos – isso sempre foi
muito igual e até o astigmatismo e a hipermetropia fizeram questão de migrar
geneticamente. Mas é impressionante como, hoje em dia, morando longe dele, eu
enxergo muito mais as nossas similaridades.
Meu pai nasceu em Mogeiro,
interior da Paraíba. Com 14 anos, veio para o Rio de Janeiro, morar numa área
pobre na casa de uma irmã que ele nem conhecia – a diferença de idade era tanta
que, quando ela partiu rumo ao Rio ele era muito pequeno para se lembrar, já
adolescente. Filho de Sebastião e Davina, teve quinze irmãos (reconhecidos,
porque há varias lendas a respeito do velho Bastião), dos quais onze vingaram,
além dele. Lidar desde cedo com a mortalidade infantil era uma realidade muito
comum no Nordeste e com essa numerosa família não foi diferente.
Tendo que trabalhar desde cedo
pra se sustentar, tornou-se comerciante. Conheceu minha mãe não tinha nem 22
anos. Casou-se com 24. Com 26 recém-completados, era pai. De mim. Aos 27, foi
pai da minha irmã. Aos 39 se separou da minha mãe. Aos 45 eles reataram. E
vivem juntos até hoje.
Eu, como é sabido, sou jornalista,
nascido em Niterói, Rio de Janeiro. Comecei meu relacionamento também bem novo,
aos 20 anos, e me casei aos 25 – com cerimônia e papel passado, aos 27. Não
tive filhos ainda, embora considere que tenha a minha família.
Meu pai adora um pagode e uma
cerveja. Eu não suporto nem um, nem outro; sou mais chegado num pop/rock e
numa Coca-Cola. Mas um samba com caipirinha os dois gostam. Por falar em samba,
ele torce pra Portela; eu, pra Viradouro. Ele é tricolor e eu, flamenguista
(ele bem que tentou, eu nasci no ano em que o Fluminense foi campeão
Brasileiro, mas não deu; segui os passos da minha mãe e do meu avô materno). Ele
se amarra numa buchada de bode e numa galinha ao molho pardo; em se tratando de
pratos típicos nordestinos, tô mais pra um acarajé ou uma moqueca baiana.
Ambos somos Paulo Sobral na
carteira de identidade. Além dos olhos verdes, a genética nos trouxe outras
coisas em comum. Somos bem branquelos (ele consegue ser ainda mais; fica
vermelho até embaixo da barraca). Temos uma pinta igual, no mesmo lugar, no pé
direito. As orelhas são miúdas (perdi a conta das vezes em que ouvi que ia
morrer novo por causa disso...). Além da necessidade de usar óculos, herdei
dele as unhas encravadas, um osso protuberante a mais no pé e as entradas no
cabelo – nada que não dê pra superar. Também não suportamos salsa crua
(descobri que isso é genético na minha aula de Biologia no colégio) nem alecrim
em excesso na comida. E amamos qualquer coisa com coco.
Nunca fui muito de ter isso de
pai-herói. Até porque ele sempre foi bastante de carne e osso; sempre deixou
seus defeitos tão evidentes quanto as suas qualidades e nunca quis se destacar
de mim ou da minha irmã como alguém superior. Pelo contrário: ouvi dele um
tempo atrás, cheio de orgulho, que ele se empenhou pra que eu e ela fôssemos
melhores do que ele, mas que ele não tinha noção de que nós iríamos além do que
ele esperava. Além disso, é tão difícil pintar de herói alguém tão à nossa
semelhança! Mas talvez resida aí o ato mais heroico de alguém: ser herói sem
contar vantagem por isso.
Meu pai viu o seu pai morrer
analfabeto. Depois, presenciou seus dois filhos se formarem em universidades públicas:
um jornalista, a outra arquiteta. Viu seu filho lançar um livro e se preparar
para lançar outro. Saiu da criação machista e retrógrada do Agreste da Paraíba
para assistir ao vivo à cerimônia do casamento do seu primogênito com outro
rapaz. E o fez, como ele mesmo disse, porque jamais deixaria de amar seus
filhos por qualquer motivo.
Que me desculpem todos os outros,
mas meu pai é O CARA. E merece todo o meu amor e reverência.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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