Era uma segunda e tínhamos acabado de chegar de viagem. Estávamos num bar perto do nosso hotel e eu notei, ainda na primeira caneca de cerveja escura, que o abraço aconchegante daquele edredom branquinho me parecia cada vez mais interessante. Tomei mais algumas mesmo assim, mas comecei a desanimar com a ideia de passar os 40 minutos seguintes tentando decifrar o mapa do metrô apenas para ter, em outro bar vazio, as mesmas conversas que poderíamos perfeitamente manter deitados de conchinha - de preferência com algum reality ruim da MTV americana piscando na TV ao fundo. Quando o já esperado "E agora, pra onde vamos?" surgiu, respondi da forma mais gentil que poderia, explicando meu cansaço e lembrando que o dia seguinte começaria cedo. Não fui grosseira. Não bati o pé. Não dei chilique. Apenas expressei um desejo.
Corta para a voz em off do Morgan Freeman, comentando em tom de discreta superioridade: "Mal sabia ela que..."
Eu, que meio que já aprendi a esperar o pior das pessoas, não antecipei a tempestade que simplesmente cogitar não ir para um segundo bar numa noite de terça desencadearia. Ouvia, num misto de 10% de raiva e 90% choque, que eu "vivia me gabando" das coisas que eu fazia antes de estarmos juntos, mas que não sabia me divertir com ele. Que eu era capaz de ficar na rua até altas horas com outros caras ("outros caras" era um conceito muito presente no nosso relacionamento), mas não com ele. E, por fim, o clássico "você deveria fazer um esforço" - aplicado ocasionalmente à nossa vida sexual também. Essa é a versão light de tudo que eu ouvi aquela noite, que acabou com as apontadas de dedo que, em linhas gerais, diziam que eu havia me vendido como uma garota ousada, vid4lok4 e sexualmente implacável, mas que com ele eu era uma chata. Ou eu havia mentido sobre mim mesma, ou eu simplesmente era melhor para os """"outros caras""""do que pra ele. As duas alternativas eram terríveis, porque não me considerava uma mentirosa nem uma pessoa menos interessante quando estava com ele. Eu inclusive pensava que agia muito mais de acordo com a minha real personalidade com ele do que com os """""""outros caras"""""". Aquilo que ele estava vendo - aquela pessoa aparentemente terrível que, às vezes, preferia estar quietinha do que enchendo a cara noite adentro - era a tal "eu". E isso não era o bastante.