A semana começou com um preguiçoso feriado de Dia da
Independência. Longe das bravatas políticas de “ou ficar a pátria livre ou
morrer pelo Brasil”, ter uma data que carregue esse nome pode ser simpático.
Afinal, independência é a obsessão de muitos. Para alguns, quase uma imposição,
uma necessidade.
Lembro muito de duas prosaicas situações na minha infância
que me deram o claro sinal de que eu estava me tornando mais independente: o
dia em que eu amarrei o cadarço do meu tênis sozinho e quando eu passei a
preparar o meu próprio café da manhã.
A primeira delas, recordo-me claramente, foi num dia em que
briguei com a minha mãe no pátio do prédio em que morávamos, com meus cinco, seis
anos. Fui para um canto me fazer de coitado, para ver se ela sentia a minha
falta, e notei que meu cadarço estava solto. Tentei amarrar sozinho, de forma
desengonçada, até realizar o laço com sucesso. Fiquei tão feliz que voltei
correndo para contar a boa nova à minha mãe, esquecendo que estava de mal com
ela. Depois disso, nunca mais deixei que meus pais atassem meus calçados por
mim.
Já no final da infância, passei a acordar mais cedo do que o
horário em que minha mãe estava acostumada, para ir à escola. Pedi para que ela
me explicasse como preparava as coisas, em especial porque envolviam
liquidificador. E, a não ser nos dias em que depois de marmanjo ela quis me
mimar, passei a sempre preparar meu desjejum sozinho. Sentia-me empoderado daquele
momento tão importante do meu dia, como se isso já garantisse o meu sustento.
Anos (muitos anos) depois, foi a hora de sair do ninho dos
pais e ter a minha própria casa. Tradução maior de independência em nossa
cultura não há. E se tornou ainda mais necessário por se tratar de uma relação
homoafetiva, na qual por mais que se tivesse a compreensão e o amor das famílias,
ainda havia limitações de demonstrações públicas de carinho.
No último domingo assisti a um episódio de uma série do
Fantástico sobre a Síndrome de Down. A matéria explicava que o grande desafio
dos que nasciam com essa condição era fazer o máximo de tarefas suas diárias
com autonomia dos pais e parentes. Mas não era possível ter uma independência
plena, devido às suas limitações. E um dos entrevistados terminava dizendo que,
na verdade, todos nós somos dependentes de algo ou alguém; o que variava era o
nosso nível de autonomia.
Assim como eu jamais poderia dar um laço no cadarço se meus
pais não tivessem me dado o tênis ou mesmo tomar o café da manhã se eles não
tivessem feito compras, também não teria tido sucesso ao ter a minha casa se
não fosse por conta de um trabalho que me remunerasse a contento e de um
casamento em que há mais compreensão do que divergências. Seja materialmente ou
sentimentalmente, a independência é apenas uma das faces das relações humanas. Somos todos iguais; tão dependentes e independentes na medida em que a vida se
apresenta para cada um de nós.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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