O movimento social reclama há tempos que o tema HIV/AIDS não estava na pauta principal
da mídia, mas há duas semanas, o tema voltou com força total. Pena que o motivo não
tenha sido um dos melhores. Charlie Sheen, ex-protagonista da série de humor americana Two And a Half Men, declarou ser soropositivo há cerca de quatro anos.
E por que essa notícia não é boa, partindo do princípio que Charlie é uma pessoa
conhecida e pode fortalecer a luta dos outros soropositivos, desmistificando o assunto e
reduzindo o preconceito? Bem, desde o início, a revelação do seu diagnóstico soou
estranha, uma vez que Charlie nunca foi uma pessoa muito engajada, senão nas suas
causas próprias. Recentemente, inclusive, ele veio à mídia falar que já transou com cerca
de 5 mil pessoas, talvez, tentando reforçar essa ideia de que um homem pode transar com
todo mundo e ser visto como garanhão, enquanto as mulheres são, apenas, objeto sexual.
Até porque, não imagino uma mulher famosa falar isso na mídia e não ser tachada como
vagabunda por quase todo mundo. Bem, mas isso é outro assunto.
Ligando o fato de ele ser positivo ao fato de ele ter transado com muitas pessoas,
reforçamos também a ideia de que quanto mais fazemos sexo, mais chances de sermos
positivos, mas não é bem assim. O risco está muito mais ligado ao seu comportamento
relacionado à prevenção do que à quantidade de pessoas com quem faz sexo, pois uma
pessoa pode transar com 5 milhões de seres animados ou inanimados e se manter
soronegativa usando métodos simples de prevenção.
Outro problema, em minha opinião, é que ele não fez isso porque é um cara que decidiu
sair do armário da soropositividade para mudar a vida das pessoas. Ele alega ter sido
chantageado por pessoas que sabiam da sua sorologia. Aí, entramos em uma seara ainda
mais complexa... Uma pessoa ser chantageada até se sentir obrigada a revelar algo tão
íntimo é gravíssimo e retoma a discussão sobre o direito da pessoa soropositiva de manter
a sua sorologia em segredo. Ah, e isso é garantido em lei, tá?
Aí, você vem e me pergunta: João, mas se o cara tem HIV, ele tem a obrigação de usar
camisinha e de contar para as pessoas com quem se relaciona? Aí, eu te respondo: Não,
ele não tem essa obrigação. Assim como você não tem a obrigação de contar para
ninguém se seu relacionamento é aberto ou fechado, se você gosta de rosa ou azul, se
você curte comer melancia com arroz ou qualquer outra coisa íntima sua. O que acontece
é que devemos desconstruir essa ideia de que o soropositivo é o único responsável por
cuidar da saúde das pessoas com quem se relaciona. Essa responsabilidade é das duas ou
mais pessoas que estão transando. Todas as pessoas envolvidas têm igual dever de se
cuidarem. Todos devem ter a sua camisinha, seu gel, devem fazer o teste anti-HIV sempre
que se expor e conhecer as tecnologias de prevenção que estão disponíveis por aí,
principalmente no SUS.
É claro que eu sempre defendo que abrir o jogo, pelo menos com as pessoas mais
próximas, tira um peso enorme das costas e cito o ativista Floriano Furtado Leite que diz
que “a verdade dói, mas não adoece as relações”. Porém, essa é uma escolha individual e
que deve ser respeitada. Não quer correr risco de se molhar? Leve sempre contigo um
guarda-chuva!
Portanto, é importante reconhecer que uma pessoa vivendo com HIV tem direito ao sigilo
e nem eu, nem você, nem ninguém, tem o direito de cobrar que essas pessoas revelem a sua
sorologia para seus amigos, família ou parceiros sexuais. A responsabilidade pela
prevenção é compartilhada entre todos os envolvidos em uma transa. Portanto, se você
souber que seu amigo transou com aquele boy magia que você ouviu falar que tem HIV,
limite-se a incentivá-lo a fazer o teste anti-HIV e se proteja em todas as relações
sexuais, pois você pode enfrentar problemas sérios com a Justiça, já que seu amigo pode
pirar e transformar a vida do boy magia num inferno por sua causa.
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João Geraldo Netto é marketeiro, barbudo, gay, soropositivo, ativista, apaixonado, inquieto, metódico, chato e muitas outras coisas. E o responsável pela coluna mensal Conversa + aqui no Barba Feita.
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