– Já sim, é menino! João.
– Ah, que bom, parabéns! É bom que já dá pra montar o
enxoval na cor certa.
Foi um diálogo hipotético. Mas quem nunca ouviu algo
familiar, com Joões, Josés, Antônios e Pedros? Quantas vezes, ao descobrirmos o
sexo de um bebê, já não se espera um quarto com decoração ou presentes em tons
de azul pra um menino ou de rosa para uma menina?
Isso não se restringe aos filhotes de humanos... Semanas
atrás tive que comprar uma coleira rosa para a minha cachorra (ela antes usava
uma azul, pois era a única que tinha do seu tamanho na pet shop) porque, na
rua, todos achavam que ela era macho. E isso se tornava um problema quando ela
queria se aproximar de algum outro cachorro para interagir e os seus donos,
prevendo algum tipo de briga por ser macho, evitavam. Ou mesmo quando alguém
vinha apenas fazer um carinho e a chamava de “ele” – isso quando não chamava o
meu cachorro de “ela” também, por ele ter uma coleira predominantemente vermelha.
Achava uma bobagem, não fazia a menor questão de trocar a
coleira, mas foi uma mudança simples que melhorou o convívio dela com os
demais. E isso me fez ver o quanto ainda é forte e presente essa dicotomia
entre feminino e masculino, não só em cores, mas em hábitos e estilos de vida.
Ao participar de um Natal solidário no fim do ano passado,
quando o Papai Noel entregou presentes em uma comunidade carente, os presentes foram
divididos entre os “de menino” e os “de menina”, para que facilitasse as
crianças a escolherem o que quisessem. Até o Kinder Ovo, que na minha época de
criança/adolescente era tudo junto e misturado, se classificou entre o rosa de
menina e o azul de menino.
Lembro que já possuí camisas rosa que tive que justificar
por que as usava. Na faculdade (numa faculdade de comunicação no século XXI!)
tinha que ficar ouvindo piadas sobre uma camisa rosa clara (sem estampa alguma,
lisa) que tinha. Depois, tive outra, com estampas mais chamativas, que não
poderia ficar mostrando nem em casa, só nos guetos da night. Hoje as coisas
mudaram um pouco, não é difícil ver até mesmo os tradicionais machões convictos
usando roupas rosa ou em tons similares. Mas ainda temos tanto dessa guerra de
sexos em nossa sociedade, principalmente naquilo que se refere às crianças.
Curioso que é na infância, que é quando os humanos ainda
estão despidos de sexualidade, quando mais se busca afirmar a eles o que são ou
deveriam ser. Mas e quando dá falha na matrix? Quando você conhece alguém, como
uma travesti que faz parte da minha família hoje em dia, que na mesma época de
Natal dos brinquedos divididos entre masculino e feminino te diz que nunca se
viu de verdade no corpo de homem que tinha? Que não se enxergava exatamente
como gay, pois jamais desejou ser um homem que namorasse outro, mas, sim, uma
mulher que gostasse de homens, como muitas por aí. E isso desde pequena!
Poderia ela ser um menino que gostasse de bonecas? Ou um
menino que se enxergava como menina e gostasse de jogar futebol e brincar de
carrinho? E se ela gostasse de tudo isso? E se ela gosta de tudo isso até hoje?
E se mesmo como mulher, ela se sentisse atraída por mulheres também? O que ela
seria ou é, faz diferença para outra pessoa que não ela? Em qual mundo ela se
enquadra: no cor de rosa ou no azul?
Acredito que a humanidade deveria caminhar para um lugar no
qual tenhamos uma vida cada vez menos presa a gêneros e mais a personalidades.
Seria utopia, ainda assim, dizer que estaríamos livres de rótulos. Mas
certamente libertaria tanta gente que abandona a sua verdade própria para se
encaixar nos poucos padrões que restam como opção para meninos e meninas hoje
em dia.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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