Em outubro de 1997 encontrei David Bowie no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Na
época, eu era estagiário da Infraero e estava cheio de dúvidas sobre que caminho seguir em minha
vida. Acredito que aquele inusitado encontro foi um recomeço, uma espécie de reset na
minha existência.
Bowie estava voltando ao Brasil pela segunda vez e estava em sua turnê Earthling, com
shows marcados em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Enquanto eu devorava um saco de
jujubas, ele veio em minha direção, tirou os óculos escuros e, sem cerimônia, me encarou com
seus olhos anisocóricos, que congelaram minha alma.
Foram cerca de três minutos com o camaleão, que elegantemente fumava um cigarro
enquanto falava da ansiedade em fazer o show em Curitiba, naquela mesma noite. Ao tentar
apagar o cigarro em um cinzeiro, pedi o cigarro, o único que traguei em vida, vindo dos lábios
de Bowie. Em troca, ele roubou três jujubas que eu nervosamente retirava da embalagem.
Uma guimba por três jujubas. Bem justo.
Artisticamente, David Bowie foi a figura mais relevante do século XX. Sem ele, o rock e
vertentes como o glam, o rap, o funk e o eletrônico não seriam os mesmos. Bandas como o
The Cure, Echo and the Bunnymen, Bauhaus, Velvet Underground, Kraftwerk, Strokes, Nirvana,
Radiohead, Arcade Fire, além de artistas pop como Lady Gaga, Iggy Pop e Madonna talvez não
existissem, ou seriam completamente sem graça.
Acordar com a notícia de sua morte, exatamente há uma semana, no último domingo, foi uma das sensações mais desconfortantes que já senti.
Parei por quase meia hora olhando para o infinito que tantas vezes projetei em minha mente
ouvindo Ziggy Stardust e Space Oddity e chorei sem perceber, lembrando dos seus vários
heterônimos... Bowie podia ser quem quisesse ser: homem, mulher, gay, alien, velho ou
criança. Na minha adolescência, queria ser Aladdin Sane... Queria ser o “homem que vendeu o
mundo” ou então aquele herói, mesmo que “apenas por um dia”.
Bowie havia feito 69 anos no último dia 8 de janeiro, data em que lançou mundialmente seu
25º disco, o esperado ★(ou Blackstar), gravado com uma banda de jazz nova-iorquina.
Na mesma noite em que Bowie partiu, talvez com a diferença de algumas horas antes, assistia
o clipe de Lazarus, uma das canções do novo álbum. A música é uma clara referência ao
personagem bíblico, ressuscitado por Jesus quatro dias após sua morte. Em uma cama de
hospital, com os olhos vendados por ataduras e botões assustadores nos locais dos olhos,
Bowie diz “olhe, eu estou no paraíso”. Quando a música termina, entra em um guarda-roupas
e finaliza “eu estarei livre. Não é assim, como eu?”.
Obviamente foi uma despedida. E planejada.
Bowie se libertou de sua doença e deixou para
nós uma linda e emocionante obra de arte.
Depois de cair na Terra, ele está retornando para o seu planeta de origem e orbita
sossegadamente pelo espaço. “A terra é azul e não há nada do que eu possa fazer.”
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