Não, esse texto não é sobre uma pulada de cerca. Na verdade,
nem é exatamente sobre o famoso aplicativo. Embora também seja sobre isso. Esse
texto é sobre toda uma geração. Ou gerações. Ou a co-existência delas. E apenas
um exemplo tangível de como a tecnologia está segmentando as gerações cada vez
mais rapidamente – e isso, definitivamente, não é uma crítica.
Os aplicativos de encontros (ou de pegação, como alguns
preferem) sem dúvida revolucionaram as formas de approach e até mesmo de
relacionamento. Isso já foi tema aqui por mais de uma vez (lembro-me bem de
textos dos amigos Glauco e Silvestre), mas para mim ainda é chocante como,
poucos anos atrás, era uma realidade completamente inexistente. E creio que
esse caminho sem volta dos aplicativos também ajudou a termos outra questão
irreversível: fica a cada dia mais fácil sair do armário no mundo real.
Sou de uma geração que começou a interagir com a internet no
fim do século passado. No começo dos anos 2000, ainda naquela tristeza de ter
que usar discador para ter acesso à web e fazer isso somente de madrugada, tive
os meus primeiros papos pela rede com outros rapazes gays, após aceitar que
essa era a minha realidade. E o canal utilizado para tal foi o mIRC.
Quando falo a respeito, muitos hoje em dia sequer sabem que
isso existiu. Para esses, vai uma breve explicação: além de esperar o seu
telefone estar livre pra poder usar a internet, para entrar no mIRC você tinha
que usar o programa/servidor (de cabeça, lembro agora de dois: Avalanche e 7
Deadly Sins). Depois, você ainda esperava que a conexão fosse estabelecida e,
dessa forma, entrava em uma sala de layout completamente simplório (um fundo
branco com letras quadradas bem ao estilo MS-DOS), no qual do lado esquerdo da
tela ficavam todos os presentes, divididos em Administradores, Moderadores e a
ralé (só não fui ralé por algumas breves horas) com seus nicknames, às vezes
divertidos, às vezes safadinhos, mas a maioria ali estava para se relacionar (o
meu era Chandler-Nit, em homenagem ao personagem de Friends. E Nit porque eu
era de Niterói). Até porque, dia após dia, o povo entrava todo nas mesmas salas.
Ainda que não te conhecessem de rosto, você tinha uma reputação virtual a
zelar. E a fofoca corria muito fácil por aquelas bandas...
Lembro que conheci os meus dois primeiros namorados pelo
mIRC. E alguns bons amigos fiz por lá também. Porém, cansado um pouco daquele
mundo onde todos se conheciam e falavam da vida do outro, acabei buscando
caminhos mais, digamos, diretos, recorrendo ao Bate-Papo do UOL. Por lá também
tive a grata surpresa de conhecer o Cristiano, meu companheiro com o qual estou
junto há mais de 11 anos.
Você, leitor, pode perguntar: mas por que recorrer tanto à
internet para esse tipo de contato? Eu conheci algumas pessoas e até namorei
outras sem ser pela web. Contudo, com meus 16 anos, quando aceitei internamente
a minha orientação sexual (isso é papo pra outra coluna) e aos 17, quando
finalmente dei o meu primeiro beijo, tudo era hostil, sombrio e apavorante. Se
ainda hoje é um desafio ter um relacionamento homossexual em público, imagine
para um garoto adolescente, que escondia da família e de boa parte dos amigos
aquilo que sentia, que tinha medo de ser agredido ou humilhado, e ainda continha
dúvidas povoando a sua cabeça... Não era sempre que havia a coragem para se
lançar numa night, pois, pra mim, eram basicamente esses dois caminhos “de
gueto” à disposição: a internet ou uma noitada em alguma boate.
Por isso, hoje acho incrível o que os aplicativos
proporcionam para garotos, sejam novinhos como os do título ou mais velhos (mas
igualmente inexperientes e, por vezes, confusos). Por mais que existam todos os
medos e preconceitos reproduzidos até mesmo pelos usuários desses programas, há
hoje uma infinidade de possibilidades de encontros literalmente à mão. Um
facilitador para aqueles que ainda não sabem exatamente o que querem. Ou para
aqueles que até sabem, mas desconhecem como lidar com isso. Ou também para os
que querem sexo pura e simplesmente, com ou sem compromisso.
Isso tem criado uma geração de jovens gays, aos meus olhos
ao menos, muito mais bem resolvida com a sua sexualidade e com o que eles
desejam para o mundo: que por mais que os encontros se deem pelos aplicativos
cada vez mais (e, com isso, aquela paquera ou flerte na rua talvez fique mais raro), podemos vislumbrar um mundo real mais tolerante e com mais
caras no sol.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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2 comentários:
Muito bom Texto. Lembrei na hora de sua história com Cris. MAs, embora os aplicativos facilitem a auto aceitação e descoberta, é triste ver que ainda exista a necessidade de guetos (mesmo que virtuais) para se viver em paz.
É verdade, meu caro amigo Janjão. Mas ao menos enxergo nisso aí um caminho, sabe? Melhor do que as masmorras de antigamente...
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