A palavra é HETERONORMATIVIDADE. Tão nova que o autocorretor
ainda não a reconhece. Na verdade, novo é o diagnóstico desse fenômeno em nossa
sociedade. Diametralmente oposto ao seu conceito, velho e onipresente.
Para quem não sabe, heteronormatividade é a tentativa de se
aplicar a relacionamentos homossexuais ou de outras configurações que não o
clássico papai-e-mamãe a mesma lógica de um relacionamento heterossexual tradicional.
Tem que encontrar o príncipe sobre o cavalo branco, tem que casar, tem que ter
filhos, tem que ser monogâmico...
Quantas vezes não ouvi de diversas pessoas, que conquistei o
respeito e a admiração de alguns preconceituosos por ter o relacionamento
aparentemente perfeito para dois homens, minimamente cabível nos padrões de
nossa sociedade? Um relacionamento que não era promíscuo, ou cheio de “afetações”
públicas, entre outras coisas condenáveis pela maioria.
Pode parecer realmente estranho eu estar tratando disso.
Logo eu que tenho um relacionamento estável de 11 anos, realmente fui morar
junto há quase sete anos, casei e pretendo ter filhos. Mas será que só isso é o
caminho para se ter um relacionamento respeitável? E onde fica a cumplicidade,
o companheirismo e o conhecimento do casal enquanto dois indivíduos? E a
lealdade de uma vida construída juntos? E a sensação de que não existe tema que
seja tabu ao ponto de não poder ser debatido em casa?
Quantas vezes não ouvimos a pergunta: “mas entre vocês dois,
quem é a mulher da relação?”. Tudo bem que isso diminuiu muito de uns anos para
cá. Porém, esse pensamento de que os papéis definidos como em Adão e Eva ainda
devem existir, mesmo que geneticamente os dois carreguem o cromossomo Y, é
quase tão ultrapassado quanto a metáfora da cobra, da maçã e do Paraíso.
Mesmo que exista um ativo e um passivo, isso não os torna o
homem e a mulher da relação. O fato de um ser mais organizado ou histérico não
o coloca na condição de mulher; ou ter medo de barata ou lagartixa; bem como
aquele que bebe cerveja e gosta de futebol não é mais homem do que o outro.
Somos todos seres humanos, com suas nuances, seus incontáveis meandros e
matizes... Rotular um ou outro pelo seu comportamento ou pela sua genitália é,
no mínimo, muito enferrujado.
Nesse mesmo sentido, nos últimos dias li a entrevista de uma
advogada que se dizia contra o registro de uniões estáveis entre três ou mais
pessoas, pois essas não configurariam uma família. Alegava que isso era um
desrespeito e uma ameaça aos direitos até mesmo dos homossexuais que batalharam
tanto para terem suas relações a dois reconhecidas. Outra alegação era de que
em países onde a poligamia é autorizada havia maior índice de violência
doméstica e prevalência de machismo.
Reside aí, talvez, o maior equívoco da humanidade sobre
relacionamentos humanos: confunde-se afeto e sexo, acreditando que cabe ao
homem o poder divino de escolher sua(s) fêmea(s), de ser o chefe da família, de
se impor sobre as mulheres, de ter quantas parceiras quiser na rua (desde que a
esposa nunca descubra – e ela jamais poderia fazer o mesmo)... Ou não é isso a
raiz de todo o machismo e misoginia?
Por que não uma mulher pode se relacionar com quantos homens
quiser, inclusive simultaneamente? Ou com outras mulheres? Ou diversas mulheres
e um homem? Ou diversos homens? Ou dois casais que interagem e se gostam? Isso
geraria machismo ou violência entre os companheiros? A quem cabe julgar isso se
não mesmo quem vive e distribui o seu afeto como bem entende? Ou a nobre
causídica acredita que pode mandar em sentimentos ou mesmo crê que o Brasil seja
atualmente um país livre de machismos e de violência contra a mulher?
Outro ponto impressionante: é mais aceitável socialmente uma
traição a uma relação aberta ou poliafetiva. Faça um teste mental: imagine-se
contando para um amigo que está tendo uma relação extraconjugal, que não sabe o
que fazer e pedindo a discrição dele. Agora pense contar para o mesmo amigo que
você e seu(sua) parceiro(a) estão tendo experiências sexuais e/ou afetivas com
outra(s) pessoa(s). Em qual dos dois você acredita que será mais julgado?
A heteronormatividade persegue os homossexuais como um dos
únicos canais de aceitação. Talvez o mais fácil. A mesma bruxa que assombra silenciosamente
homens e mulheres em relações tradicionais, muitas das vezes falidas. Aquela
que ditou os rumos de uma sociedade machista que falhou na sua proposta de
igualdade através do amor, propagado em nome de Cristo.
E tem gente que ainda fala em ditadura gay...
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor do livro Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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2 comentários:
Belas palavras meu querido... Infelizmente é uma triste realidade que ainda persiste nos dias de hoje, a questão da facilidade em aceitar uma traição, ainda que cause natural repulsa, em detrimento a aceitação de um relacionamento aberto, onde não conseguem enxergar o companheirismo e cumplicidade que você mesmo mencionou na sua coluna, pois pessoas que têm esta conduta, sempre estarão à margem da dita família tradicional brasileira...
Isso é o mesmo que "homofobia", uma palavra INVENTADA ONTEM para justificar qualquer agressão contra quem não é viado ou sapatona. FATO! Não gosta de família? Problema seu, seu mané! Ou vc acha que nasceu de um girino??
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