Ser jornalista e trabalhar com Comunicação me faz, todos os
dias assim que acordo, buscar tomar pé das principais notícias do dia. É quase
um ritual matinal, tão obrigatório quanto escovar os dentes. E esta semana
começou com uma dessas notícias, indigestas ao extremo, que nos fazem perguntar
até onde vai a mente humana e a humanidade em si: um homem matou a esposa e
dois filhos em um condomínio da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Uma família aparentemente feliz, dois meninos saudáveis (um
deles, tão novo que ainda escrevia em garranchos sua assinatura na carteira de
identidade). Provavelmente, duas gestações esperadas e desejadas ao extremo,
dada a idade avançada da mãe perto das crianças (ela tinha 48 anos e eles, 10 e
7). Tantas coisas podem se supor desses quatro. Mas o que se sabe são os
frios fatos já apurados, periciados e, em parte, até mesmo relatados em carta
pelo próprio assassino e suicida: a preocupação com a situação financeira da
família, uma suspeita de que seria demitido e não poderia manter o nível de
vida dos quatro, o fez esfaquear a esposa enquanto dormia, golpear os filhos
com uma marreta e pular com os dois (vivos ainda?) pela janela do 18º andar do
Edifício com o paradisíaco nome de Lagoa Azul.
Matar alguém já é algo difícil demais de se conceber. Mesmo
com tantos motivos que poderiam causar repulsa ou mesmo ódio a alguém, retirar
a vida de quem quer que seja é algo inimaginável para mim. Vivemos tempos de
banalização da vida humana, nos quais muita gente se condói mais com uma cena
triste com um cachorrinho do que com uma criança. Talvez exista aí uma parcela
da mídia (na qual, como jornalista, me incluo) pela superexposição da violência;
e também uma parcela aí (na qual também me incluo, como escritor) da ficção, na
qual a morte é tratada a torto e a direito e, por vezes, assassinos são até glamourizados.
Ainda assim, matar os filhos e a esposa, de forma tão brutal,
por um motivo tão supositivo e material, como a hipótese de uma demissão que
faria perder o padrão financeiro, não nos cansa de chocar.
Não é um caso único na História: há diversas ocorrências isoladas de pessoas que, em um momento de acesso de fúria ou inconsequência, matou a família ou mesmo se matou por motivos parecidos. É comum crescer o índice de suicídios em épocas de crise, como a que vimos na Europa recentemente; ou ser algo endêmico em alguns países também por questões financeiras.
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Nabor Oliveira, o pai, e os dois filhos. |
Lembro-me de uma das minhas séries favoritas, Desperate Housewives, uma das poucas que acompanhei do início ao fim. A ideia originalíssima de ser inteiramente narrada por uma personagem que já morreu: uma amiga das protagonistas que se mata com uma bala na cabeça. O principal mistério da primeira temporada era, exatamente, descobrir por que Mary Alice havia se suicidado se, aparentemente, sua vida era tão feliz e perfeita ao lado do marido e do filho. Estava aí o argumento principal da série: debater que, nas entranhas dos belos retratos sorridentes de família e dos eventos sociais que mais parecem comercial de margarina, todos tinham seus problemas, às vezes, bem maiores e graves do que os de fora imaginam.
Quantas vezes não conversamos com alguém que está gritando por dentro, mas que responde que está "tudo bem" quando perguntamos? Em quantas oportunidades não reparamos que a pessoa ao nosso lado necessita de socorro e não está "sendo fresca" quando dá sinais de uma possível depressão? Ou que não está blefando quando diz que está a ponto de "cometer uma loucura"?
Ver a foto do quarto das crianças ensanguentado e com a marreta usada no crime acabou com o meu dia. Não só por aquelas breves vidas, mas por nós, humanos. Além da provável insanidade represada na cabeça de alguém que imaginou que uma possível demissão seria motivo para a barbárie, precisamos nos questionar dos valores que nós estamos pregando enquanto humanidade. Talvez, a falta de dinheiro tenha sido somente um gatilho para estourar uma psicopatia reprimida. Quem sou eu para diagnosticar... Acredito que ele terá o seu julgamento pelo que fez, aos nossos olhos e à concepção divina.
O mais importante é refletirmos. Que caminho estamos tomando ao colocar o dinheiro acima da vida? Ou, se não, veremos ainda muitas outras vezes a reprise desse Lagoa Azul.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor dos livros Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades e Perversão. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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Um comentário:
Olá Paulo, achei por acaso esse Post e achei sensacional.
O
Parabéns pelo trabalho e continue sempre escrevendo
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