Foi há quase uma semana, mas o
país ainda fala muito da morte do ator Domingos Montagner. No último domingo
foi registrada a maior audiência do Fantástico desde 2012 com a entrevista de
Camila Pitanga sobre o momento do afogamento. Lembro-me de estar assistindo a Globo
no exato momento em que entrou a temida vinheta do plantão e a jornalista Renata
Vasconcelos confirmou a morte do ator. Mas, além de ser uma pessoa querida, até
mesmo pelo seu ofício que o levava a milhões de lares brasileiros, o que causou
tanta comoção pela partida de Montagner?
Domingos Montagner foi um galã
tardio. Tinha sua beleza diferenciada, algo rústico e cheio de charme. E um
enorme talento, tanto atuando, quanto dançando ou fazendo suas performances de
palhaço. Mas não foi só por isso que sua
partida comoveu tanto (tudo bem, ouvi gente dizer que poderia ter morrido ao
menos “um feio em vez de um bonito”...). Quantas pessoas não morrem afogadas em
rios, mar, lagoas e piscinas, algo que, por si só, é sempre de forma súbita?
Quantos atores não morrem, ainda jovens, como Duda Ribeiro, que tinha a mesma
idade de Montagner (54 anos) e faleceu um dia antes, vítima de um câncer, também
deixando família e um invejável currículo, mas não tão famoso (Duda eu tive a
oportunidade de conhecer e estar com ele por diversas vezes)?
A correnteza do São Francisco não
levou somente a vida de Domingos Montagner; ela nos trouxe também a sempre dura
lembrança de que somos todos mortais. E isso significa que simplesmente podemos
sair de casa em um dia cheio de planos e sequer voltar. Montagner e Camila
Pitanga haviam gravado a sua última cena no rio. Estavam comemorando o fim de
um ciclo, celebrando uma vitória, um dever cumprido. Mergulharam nas águas em
que provavelmente já haviam mergulhado dezenas de vezes ao longo de meses de
gravação. Foram surpreendidos pela força da natureza. O corpo cheio de vida e
planos de segundos antes fora encontrado depois inerte a 30 metros de
profundidade.
Sua morte também reforçou que não
importa fama, classe social, etnia, credo ou qualquer outra característica que
pode nos segregar em vida: com a chegada do inapelável fim, todos somos
nivelados da forma mais realista possível. É como diz o provérbio italiano: não
importa se é rei ou peão, ao fim do xadrez todos vão para o mesmo saco.
Logo após o falecimento do ator,
encontrei um texto que escrevi um ano atrás aqui no Barba Feita, chamado Valeu, Gabriel. Gabriel era um amigo meu, meu primeiro “melhor amigo” da infância,
mas que nos afastamos principalmente ao longo da adolescência. Ele foi vítima
de um acidente de carro quando ambos estávamos completando o ensino médio.
Naquela semana havia sonhado que o procurava em um prédio, mas não o
encontrava:
“A morte do Gabriel foi um dos
maiores choques da minha vida. Aos 17 anos, me deparei com a partida de uma
pessoa que era da minha idade, que tinha os mesmos sonhos e anseios que eu
tinha, que compartilhou comigo momentos únicos da minha infância e um convívio
familiar que poucos tiveram. Deparar-me com o seu jovem corpo inerte dentro de
um caixão parece que levou um pouco de mim naquele dia. Foi a primeira vez que,
de fato e consciente dos meus atos, confrontei a morte. Ao abraçar a sua mãe no
enterro, eu chorava mais do que ela, que buscava consolar a todos com sua sábia
espiritualidade. Mas semanas depois, ao cair da ficha, ‘tia Beth’ estava em
frangalhos. Lembro-me do clima fúnebre na escola, com tocar de sinos nos
intervalos das aulas, no lugar do tradicional sinal. Passei uns dois dias na
cama, sem estímulo para fazer mais nada da vida. Parecia que nada mais fazia
sentido, pois num golpe de azar tudo poderia se perder.
Gabriel não volta mais. Assim
como a infância que vivemos juntos. Mas o que me fez levantar da cama dias após
sua morte foi ver que esperar o momento fatal chegar não faria sentido algum.
Busquei viver a vida de forma mais equilibrada e, ao mesmo tempo, intensa,
valorizar família e amizades, e o amor que encontramos para essa caminhada.
Gabriel não volta mais. Mas me
ensinou muitas coisas com a sua partida. Sonhar com essa busca por ele esta
noite foi sonhar um pouco com a busca por mim mesmo. Não consegui encontrá-lo
no sonho. Porém, vivo encontrando as lições que aprendi no meu dia-a-dia”.
Assim como Gabriel, Domingos
Montagner não volta mais. Assim como eles, milhares de pessoas acordam cheias
de planos e de vida e não voltam mais. Há diversos debates de para onde vamos
após a morte; tenho as minhas convicções quanto a isso como espiritualista que
sou. Mas como humano que também sou, sei que para os que ficam, muitas das
vezes o que resta é incredulidade, tristeza e saudade.
Que toda essa comoção nacional,
ao menos, sirva para lembrar que não há muito tempo a perder. É preciso
abandonar tantas coisas pequenas que se passam no dia-a-dia e que não valem a
pena; ou deixar nutrir sentimentos ruins ou ter conduta raivosa simplesmente
por uma discordância.
Todos vamos para o mesmo saco, nos recordou Montagner. Vivamos!
Todos vamos para o mesmo saco, nos recordou Montagner. Vivamos!
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor dos livros Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades e Perversão. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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