Em Só as Mães São Felizes, uma
das canções mais fortes de Cazuza e Frejat, é dito que as pessoas velhas vão
perdendo a esperança “com seus bichinhos de estimação e plantas... já viveram
tudo e sabem que a vida é bela”. Há um
quê de contraditório e que é exatamente o que intriga na canção.
As pessoas mais velhas criam essas
rotinas. Precisam acordar
obrigatoriamente às seis, mesmo que não tenham nada para fazer. Preparam o café, lavam a louça, cuidam dos
passarinhos, limpam o cocô e trocam a água do cachorro, fazem o almoço, lavam a
louça, tomam o café da tarde, assistem TV, regam as plantas, se espantam
quando notam que o botão da roseira se transformou em uma linda flor, tomam
banho, jantam, cochilam no sofá e dormem às nove e meia da noite. De vez em quando, quando saem da rotina, andam
até à praça, tomam sol ou vão ao consultório para fazer exames de rotina.
Já viveram tudo.
Mas na semana passada, quando fui
levar uma tia na rodoviária e, na volta, resolvi pegar o VLT para o Centro, meu
entendimento mudou. Um casal de velhinhos
sentou ao meu lado e pude ver no olhar dos dois o quanto eles ainda precisavam
viver intensamente a vida. Certamente já
viram de tudo um pouco. Mas o tudo é
inesgotável.
Eles estavam maravilhados com o
veículo-leve-sobre-trilhos, coisa que nós achamos bacana mas cinco minutos
depois já foram condensados na nossa massa informacional-tecnológica cada vez
mais sufocante. Pude perceber, pelo
olhar curioso e brilhante dos dois, que, a cada paisagem, parecia que um novo
horizonte estava prestes a ser desbravado.
Os cenários da Gamboa e Saúde, reconhecidos pela frágil memória,
resgataram sorrisos tímidos com uma ponta de lascívia.
Por aquele lado escuro e selvagem,
devem ter presenciado Madame Satã, filho de Iansã e Ogum e devoto de Josephine
Baker, defender mendigos e prostitutas. Também
choraram num banheiro sujo e se recusaram em ver a face de Deus... Tragaram o
mesmo cigarro com Cartola e beberam do mesmo poema de botequim de Zé Kéti. No novo Museu do Amanhã, com as asas
metálico-solares sob o espelho d´água, uma surpresa onomatopaica ressoou. Pareciam duas crianças, ávidas pelo
conhecimento.
“Como isso aqui mudou!”
Por aqueles caminhos, também
devem ter traído os melhores amigos, transado com cadáveres e sonhado em serem
currados por animais. Ou ainda flertado
o desejo incestuoso edipiano. Cazuza finalizou dizendo que “só as mães são
felizes, pois não podem mudar a vida”, mas como ele também disse, “o tempo não
pára”... E o tempo está intrinsecamente relacionado à vida. Qualquer um de nós pode abreviar essa
relação, mas, infelizmente para eles, há uma contagem regressiva incontestável. O grande momento da vida vai chegar, mas
ainda há muito, muito mais a aprender.
Afinal, a vida é bela.
Foto de Abertura: JR Oliveira
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