Ah, a morte... Enquanto os mexicanos a essa altura estão
todos celebrando com cores, caveirinhas e bêbados de tanta tequila, nós por
aqui consideramos o dia de hoje uma data fúnebre. Na verdade, falo de forma
generalizada, em especial referindo-me aos mais antigos. Minha família mesmo nunca
teve o hábito de ficar se lembrando dos mortos em um triste Dia de Finados.
Aliás, sempre achei estranhíssimo ter que apurar as matérias de aumento de
movimento nos cemitérios e vendas nas floriculturas próximas quando trabalhava
em redações jornalísticas; isso nunca foi a minha realidade.
Olha que a morte, desde muito novo, deu as caras na minha
vida. Quanto tinha apenas quatro anos, minha prima de nove se foi, vítima de um
acidente de carro. Lembro-me do exato momento em que minha mãe acordou a mim e
minha irmã, ainda na primeira casa onde morei na minha vida no bairro de Santa
Rosa, em Niterói, sentou-se na beirada da cama e comunicou que a Monica havia
morrido. Ainda sem saber o que exatamente aquilo significava, nós dois caímos
em prantos, vendo minha mãe chorar ainda mais. Estava ela, além da saudade da
sobrinha, se colocando na posição da minha tia: a mãe que perde a filha. Uma
vez ouvi que quando o filho perde um dos pais, se chama de órfão, mas o
contrário não tem nome porque é completamente contra a natureza humana. Era
mais ou menos isso que acontecia naquela hora.
Meses depois, foi a vez do meu avô materno partir.
Curiosamente, no aniversário de uma de suas filhas, minha tia Lili, num 24 de
agosto. Como minha avó morava na casa da frente e estávamos comemorando a data,
ficávamos indo de uma residência para a outra. Numa dessas, vi meu tio abanando
meu avô sem ar e pedindo, desesperado, para que eu chamasse minha mãe. Depois
dali, nunca mais o vi... Tenho a lembrança do dia do seu enterro apenas porque
estávamos todos os primos na casa de uma de nossas tias, nos divertindo enquanto
o funeral acontecia. Não fomos comunicados da sua partida diretamente, apenas
sentimos sua ausência nos dias seguintes.
Convivi com meu avô Francisco somente até os meus cinco
anos. Eu não era sequer o neto que ele mais badalava (minha irmã e suas artes
chamavam mais a atenção dele), mas é impressionante a presença dele em minha
vida até hoje, quase 30 anos depois. Tenho algumas lembranças fortes, como
quando ele chegava no fim da tarde em casa e estávamos lá reunidos os tios e primos
pós-escola. Trazia consigo uma bisnaga de pão e fazíamos o nosso lanche a
repartindo entre todos, geralmente acompanhado de um café-com-leite (bebida que
nunca mais gostei depois dessa época). Tenho o exato sabor daquele pão até hoje
na minha memória e quando provo um similar, imediatamente me remeto àquela sala
de jantar onde o via entrar. Outra passagem marcante foi de uma noite em que
ele abriu duas cadeiras de praia (cujas estampas eram listras pretas e brancas)
na varanda de sua casa e mostrou o luar para mim e minha irmã. Coisas simples,
mas algumas poucas que me permitem remeter a ele.
Muitos comparam os nossos gênios e personalidades,
principalmente a minha mãe, que diz que por vezes vê como se estivesse falando
com o seu próprio pai quando eu lhe dou uma bronca (sim, eu dou broncas na
minha própria mãe). Sou flamenguista como ele, a despeito do meu pai, tricolor.
Diziam-me que ele queria me dar o nome de Rodolfo Rodrigues, que foi um histórico
goleiro uruguaio do Flamengo (ainda bem que não se concretizou, porque nesse
ponto a gente iria divergir...). Depois de velho, vim a descobrir que
compactuamos da mesma religião, inclusive. Vim a conhecer a instituição da qual
ele fez parte e vivenciei parte de uma história que apenas ouvia. Vivi grandes
emoções nessas descobertas tardias.
Outras pessoas passaram pela minha vida e já se foram, como o meu primeiro melhor amigo de infância, Gabriel, que já mencionei aqui no Barba Feita. Meus avós paternos, Davina e Sebastião, com quem tive uma ligação menor
na minha infância por morarem longe. Minha tia Sueli, que não era de sangue,
mas era da família e me amava como um sobrinho. Cada um com sua contribuição,
ainda que pequena, para a minha trajetória.
Acredito, sim, que um dia iremos nos reencontrar. Faz parte
da minha fé e isso me dá um alento ao tratar desse assunto tão incômodo e duro
que é a morte. É sofrido para quem fica, mas como ouvi hoje de um sábio: a
saudade é sintoma de que houve amor. Imagina o quão ruim é alguém morrer e não
ter quem sinta saudades dele? Que os finados, lembrados nesse dia, nos façam,
na verdade, celebrar a vida e fazer valer a pena cada momento dela. Começando
por aproveitar o feriado, preferencialmente longe de um cemitério...
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor dos livros Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades e Perversão. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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Um comentário:
Em um passado não tão próximo eu até gostava desta data, não do significado mais sim do fato que este dia sempre me proporcionou, pois é neste dia que você encontra todos os seus conhecido (como eu era de cidade pequena, este era o dia que todos se encontravam, dias iguais a este só no dia da independência ou eleições).
Hoje minha realidade é outra!
Belo texto!!!
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