Ontem foi um dia muito intenso para mim. Poucas horas
separaram o enterro de uma tia, irmã do meu pai, da celebração do aniversário
da minha sobrinha querida. Os inícios dos últimos anos têm trazido esse misto
de tristezas e motivos para se alegrar à minha família. E foi impossível não
refletir sobre isso.
Poucos momentos na vida de uma pessoa se consegue reunir
tanta gente quanto em sua festa de aniversário ou no seu enterro. Talvez se
houver um casamento no meio do caminho ou um lançamento de um livro bombado
(ainda chego lá...). Mas, no geral, são nas datas em que comemoramos o nascimento
ou choramos a morte que somos mais lembrados.
O enterro da minha tia Lourdes não era o programa que eu
gostaria de estar fazendo no meio de uma tarde de terça-feira. Ninguém gosta de
enterro, nem o coveiro deve gostar. No máximo o dono da concessão do cemitério,
que lucra de fato com isso. Foi uma tarde estranha, envolta por tantas lápides;
estava surpreendentemente fresco em meio às árvores e sepulturas do Caju, com
aquela imagem da favela tão próxima do local do último Pai Nosso e do último
adeus àquela existência.
Com todos os ‘poréns’ possíveis de uma cerimônia fúnebre,
pude rever boa parte da família que não via tinha tempos. Todos os meus tios
paternos que moram no Rio; meus primos, inclusive alguns, queridíssimos, que
moram em Pernambuco e que eu não via por quase nove anos; outros parentes que
eu sequer conhecia ou havia sido apresentado quando ainda era criança. Um dos
poucos momentos em que de fato fica evidente a existência de uma família
numerosa – por esse motivo, também tão pulverizada e, por vezes, afastada.
Em compensação, à noite, era a hora da Manuela. Aquela que
me ensinou o que era ser tio três anos atrás. Que me fez acompanhar com
empolgação cada passo da sua gestação. Que me ensinou que o amor é um
sentimento tão sublime que continua nos apresentando novas formas de se
manifestar ao longo da vida. Manuela trouxe à família mais graça: os Natais e
as Páscoas, que haviam virado datas quase protocolares, tiveram suas magias
resgatadas na emoção da pequena a cada passagem do Papai Noel ou do Coelhinho. Agora
temos mais cor, mais brincadeiras, mais motivos para sorrir e até para sermos
pessoas melhores.
Manuela, para mim, é um dos seres mais incríveis que existem
nesse mundo – mas nem por isso melhor ou mais especial do que os outros. Porque
em três anos ela fez coisas que eu acho surreais para um ser de três anos
fazer. A sua capacidade de aprender as coisas, de demonstrar o que sente, de
conversar com desenvoltura... sempre me surpreende. Além do mais, não há o que
pague todas as vezes em que ela me recebe com um sorriso e um pulo no colo,
mesmo que eu seja menos presente na sua vida do que eu gostaria.
Sou uma pessoa que acredita na imortalidade do espírito.
Mais do que isso, na sua capacidade e na sua necessidade de evoluir e
reencarnar. É uma convicção que trago comigo muito antes de ser um religioso.
Por isso, não creio que aquele adeus à tia Lourdes seja definitivo. Nem mesmo
que essa conexão com a Manuela seja gratuita – ou apenas genética. Para mim,
somos seres que vivemos em eternos ciclos.
Poucas cenas de um filme marcaram tanto a minha infância – e
de muitas outras pessoas da minha geração – como a que cantava justamente “o
ciclo sem fim” em O Rei Leão. Uma cena emblemática, icônica e histórica. Que
lembra que esse ciclo nos guiará “a dor e a emoção, pela fé e o amor”.
Foi bastante do que enxerguei ontem. Entre a dor e a emoção
da partida de alguém e pela fé na felicidade e o amor infinito para um ser que
chegou há pouco ao mundo, vivemos esse eterno ciclo. E por vezes, o destino
ainda coloca tudo num dia apenas, só pra lembrar a gente...
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor dos livros Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades e Perversão. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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