Eu já quis matar alguém.
Pode parecer muito estranho estar revelando isso
aqui, em um ambiente onde a grande maioria das pessoas me acha tão bacana. “Ele é um rapaz muito educado”, “é um amor de
pessoa”, “queria ter sua paciência”, “ele é tãããão tranquilo...”
Quem foi que começou isso tudo? Não faço a mínima ideia. Acredito que essa imagem de rapaz bonzinho
tenha vindo lá de meus primórdios, desde que eu era uma criança. Naquelas fotos em preto-e-branco do colégio
primário sempre estava parecendo um anjinho de candura, mas Deus é que sabe que
eu sempre estava mesmo era cuspindo fogo, puto da vida em ter que
obrigatoriamente manter uma pose que eu não estava com a menor vontade de
fazer.
Já fui a ovelha negra da
família. Mentia descaradamente e
colocava a culpa nos outros; matava aqueles pintinhos coloridos de supermercado
que ganhávamos de brinde na compra de uma dúzia de ovos somente para fazer
autópsia; caçava girinos e os criava em vidros de maionese no banheiro de
empregada até que eles virassem sapos para assustar minha mãe; passava trote
para a casa da vizinha; fingi ter sido sequestrado em um 1º de abril qualquer; quase
incendiei a casa querendo fazer magia negra com pólvora no tapete da sala; vivia
dobrando as pálpebras dos olhos só para fazer minha prima chorar de medo. Adorava fazer bullying, quando essa palavra
ainda nem existia. Era bem cruel como
qualquer outra criança. Acredito que
tenha sido uma forma encontrada para me vingar dos anos em que fui perseguido e
zoado nas detestáveis aulas de educação física, onde precisava tirar os óculos e
consequentemente não enxergava o adversário e a bola que sempre me acertava a
cara.
Já repeti de ano só de
sacanagem. Já fui suspenso várias
vezes. Em uma das últimas, quis provar
que as meninas não tomavam banho e incitei os meninos da turma a fotografá-las
depois das aulas de ginástica. O flash
disparou, uma delas fez escândalo e nos dedurou para a direção que, obviamente, nos deu o mais severo castigo da época que era ficar em casa por uma semana e
somente retornar acompanhado de um dos pais.
Nunca deixei de ir para o colégio por esta causa. Não assistia às aulas, mas ficava
perambulando pelo Méier, entrando na Mesbla para ouvir discos na seção da
discoteca e me empanturrava de Lanche Carioca do McDonald´s ou o sonho de creme
das Sendas até chegar a hora de voltar para casa. E, na semana seguinte, sem ainda contar a
história da suspensão com medo de uma surra, convenci somente com minha lábia uma
mulher que abordei na rua a ir até o colégio fazer de conta que era minha
mãe. A pobre coitada ficou quase 40
minutos ouvindo a mesma ladainha da orientadora educacional e ainda me deu uma
baita bronca. Escolhi à dedo e a dona
ainda era boa atriz.
Já arremessei um ovo no cabelo de
um cantor brega na discoteca das Sendas da Penha; fugi de casa para ver o Queen
na primeira edição do Rock in Rio; já tasquei um sanduíche de pão Plus Vita com
queijo prato na fuça do Axl só para acabar com um show do Guns &
Roses; já fiz xixi na piscina várias
vezes quando me dá vontade pois tenho preguiça de sair da água para procurar um
banheiro (calma, gente... não façam essa cara de nojinho pois isso é raríssimo
acontecer, até porque normalmente nunca tenho vontade de fazer xixi) e já
quebrei um dente de um coleguinha do colégio com uma garrafa de Coca-Cola
somente porque ele não quis dividir um gole do refrigerante comigo.
Hoje sou mais educadinho, um
amorzinho, tranquilo e paciente, mas já fui o capeta. Ainda em grande parte do tempo sou chato e
implicante, tenho péssimo humor (principalmente pela manhã ou quando estou com
sono), odeio ser contrariado, sou intolerante, controlador, inquieto,
estressado e tenho um extenso vocabulário de palavrões para cada letra do
alfabeto.
Crio confusão em bancos, em
fast-foods, em filas de lojas de departamentos; desligo na cara de atendentes
de telemarketing e da mulher que quer que eu volte a assinar a Veja; brigo
pelos dez centavos do troco e pelo trajeto do Waze do motorista do Uber.
Sou metade homem e metade
cavalo. Sagitariano nato. Aventureiro, mas ranzinza.
Disse lá no início do texto que
já quis matar alguém. Sim, era um
coleguinha do jardim da infância que eu odiava.
Eu tinha cinco anos, mas nunca esqueci o nome dele: Vladimir. Tinha uns dentes de vampiro e uma cara de
William Waack mirim. E o mais
interessante é desconfiar que talvez você nem tenha se importado ou atentado a
isso. Aposto que você está muito mais
preocupado em imaginar que não quer estar ao meu lado na mesma piscina quando
eu supostamente resolver fazer xixi.
As pessoas são realmente muito
engraçadas.
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