Já tinha abordado esse tema
algumas vezes aqui mesmo no Barba Feita e isso é algo que realmente me
incomoda: a finitude. É óbvio que todos
nós vamos partir um dia, mas falar sobre isso é muito chato, pelo menos para
mim. Fiquei novamente pensando nisso
quando a vocalista do The Cranberries
foi encontrada morta em um hotel em Londres, no último dia 15, aos 46
anos. Três dias antes, o guitarrista da
banda irlandesa tinha conversado com ela por telefone e ela parecia bem,
inclusive planejando uma nova turnê para 2018 e a gravação de um novo álbum.
Óbvio que a morte não manda
recado. Se soubéssemos que ela viria em
um determinado horário, todos nós morreríamos antes, de ansiedade. Por isso ela sempre nos surpreende naqueles
momentos mais impróprios, sem tempo para despedidas. Mesmo que já estejamos com as malas prontas, moribundos
em uma cama de hospital, na hora final sempre vai existir aquele gostinho de
quero mais. Sempre queremos extrair tudo
o que a vida pode nos oferecer; afinal, faz parte de nós, seres humanos, querer ter
mais do que realmente precisamos ter.
“É apenas isto: se você vai ser humano, tem um monte de coisas no pacote: olhos, coração, dias e vida. Mas são os momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando... é isso que faz o resto valer.”Esta frase foi escrita pelo escritor inglês Neil Gaiman e incluída em uma das histórias em quadrinhos da saga Sandman, proferida pela própria Morte, que tinha uma característica bem diferente do que a maioria das pessoas imagina. A personagem mais querida pelos leitores da série não era representada pelo icônico esqueleto envolto em farrapos com uma foice na mão. Nas histórias de Gaiman, Morte era uma neogótica com suas roupinhas de couro que realçavam seu lado sexy, com um ótimo senso de humor e que sabia exatamente qual era o valor da vida.
Valor da vida... Era sobre isso
que eu queria refletir um pouco aqui hoje.
Tenho 48 anos, apesar de muita gente acreditar que pareço ter
menos. Com quase meio século, posso
afirmar que já vi muita coisa nessa vida. Já li centenas de livros, milhares de
músicas, vivenciei incontáveis sensações e emoções e fui preenchendo meu HD com
tudo que eu julgava necessário não querer esquecer. Nesses fragmentos, estão a textura do pelo de
minha cachorra Tuca, a dor lancinante da picada de um marimbondo no jardim da
infância, do cheiro da terra molhada provocada pela mangueira, das roupas
molhadas pelas inesperadas chuvas de verão, do coração acelerado com o primeiro
beijo e da adrenalina em ver seu ídolo se apresentando em um palco... Mesmo com
tantas lembranças, ainda quero poder ter tempo suficiente em descobrir mais
sensações, ler mais livros e escutar mais músicas. Afinal, sempre queremos ter mais do que
precisamos ter, pois nunca será suficiente.
E quando relembro de tanta coisa,
me surpreendo! Quase 5 décadas se
passaram em um piscar de olhos, apesar das sensações ainda estarem tão
presentes! E lamento em ter que admitir
que certamente não viverei o dobro de minha idade. Já vivi tanta coisa, mas a ânsia em querer
experimentar mais e mais nunca se esvai.
Como será o Marcos daqui a 24 anos, metade da idade que tenho
hoje? Com 72 anos, rugas, reumatismos, sendo
chamado de vovô e com saudades do tempo que os jovens me chamavam de “tio”? Como será o improvável Marcos daqui a 48
anos, o dobro da idade que tenho hoje e que, num piscar de olhos poderá ter se desmaterializado,
antes mesmo de completar 96 anos?
Você já pensou nisso? Já pensou o quanto temos nos preocupado com
questões supérfluas, ranzinzices, mimimis, ódio e incompreensão? Já repararam que a cada dia, parece que a
humanidade (e sim, todos nós aqui incluídos neste exemplo) não temos dado o
devido valor ao pequeno intervalo em que passamos aqui?
Dolores O´Riordan tinha planos,
mas partiu muito jovem. Parece ter
vivido uma boa vida, apesar de curta.
Certamente, se tivesse uma nova chance, optaria por viver mais o dobro
de sua idade. Num piscar de olhos, tudo
se foi. A Morte, de Sandman, certamente
daria um sermão daqueles se fosse questionada sobre a brevidade em sua chegada: “você viveu o que todo mundo vive. Uma vida.
Nem mais, nem menos. O tempo de
uma vida”.
Então, façamos desse intervalo
algo extraordinário!
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