Qual o limite entre censura e proibição de um crime, como a apologia, por exemplo? Na semana passada, tivemos aqui nesse espaço um pouco da minha opinião sobre a música Que Tiro Foi Esse?, de Jojo Todynho (o que suscitou um amplo debate no Facebook, para minha felicidade) e, logo depois, vimos outra canção entrar na berlinda: Só Surubinha de Leve, de Mc Diguinho. Saí em defesa de Jojo e, agora, aponto que, sim, Mc Diguinho traz um crime em suas falas cantadas. Mas qual a principal diferença entre os dois casos?
Diversas pessoas (principalmente mulheres) denunciaram que se tratava de uma exaltação ao estupro, quando a letra dizia, entre muitos termos chulos: “taca bebida, depois taca pica e abandona na rua”. Mc Diguinho saiu em sua própria defesa, dizendo que caso se tratasse de uma apologia a estupro, então ele era estuprador, pois essa era a realidade que estava acostumado a viver. Primeira diferença para Jojo Todynho se encontra aí: ela em nenhum momento saiu em defesa do suposto crime que poderia incitar, mas, sim, se afastou dele, dizendo que viveu a violência de perto e jamais exaltaria isso.
Existe outro ponto que faz muita diferença entre os casos, chamado “maturidade” – que também faltou no episódio de Mc Biel (lembram?). É justamente aí que tem que entrar uma boa assessoria, um bom produtor, um bom gerenciador da carreira ou mesmo o conselho de um responsável – e ficou evidenciado um amadorismo e falta de preparo para alguém que estava entre os mais ouvidos do Spotify àquele momento.
Poderíamos entrar aqui no debate mais profundo das celebridades instantâneas e da pobreza cultural que vivemos hoje em dia em diversos campos. Porém, creio que isso foi apenas potencializado por uma democratização da produção e dos acessos às mídias – e não um produto direto desse fenômeno. Já havia o interesse por consumir coisas que “gente como a gente” faria (vide o sucesso já veterano de Big Brother Brasil, que pode ter, inclusive, suas virtudes). Existem ofertas para todos os gostos nas redes e nas mídias – as mais populares são apenas espelhos da nossa sociedade.
Voltando ao cerne da questão, também vi comparações do caso de Só Surubinha de Leve com a censura à exposição Queermuseu. A “Esquerda” foi culpada por ter um suposto incômodo “seletivo” com o que seria arte, muito mais elitista do que pautada pelo bom senso de fato. Queermuseu poderia ter obras que desagradam o gosto de um ou outro, ou de muitos (inclusive o desse autor aqui). Mas são obras que oferecem diversos tipos de interpretação e que alertam ao seu conteúdo antes de o expectador sequer chegar ao museu. É fato inequívoco que uma obra de arte numa exposição física tem acesso muito mais restrito e segmentado do que uma música, massificada por rádios e canais de streaming tão populares hoje em dia.
Só Surubinha de Leve, antes de sua proibição no Spotify, Youtube e Deezer, estava ao acesso de qualquer um, inclusive menores de idade. Que poderiam, sim, crescer com essa mensagem criminosa de uma relação entre um homem e uma (ou mais) mulheres. O que difere a música de Que Tiro Foi Esse? e da Queermuseu é muito claro: a mensagem explícita de um crime hediondo contra outro ser, crime esse tão difundido e secularmente aceito (pelas vistas grossas) na nossa sociedade. Isso não pode ser tolerado em nome de uma suposta diversão.
Lamento muito que Mc Diguinho tenha vivido essa realidade e a tenha naturalizado. E é exatamente por isso que temos que batalhar que a versão “proibidona” de seu hit não se propague: para que outras crianças e jovens, como ele, não tratem a sua mensagem como algo normal.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor dos livros Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades e Perversão. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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