Semana passada extraí, após algum adiamento, três sisos. Eu já nasci com um a menos, mesmo - sinal da evolução, dizem. Sabemos que os sisos são, realmente, herança da nossa seleção natural, desde a época em que éramos macacos, assim como o cóccix, que é um resquício do nosso rabo, e as dores na lombar, que foram o preço por nos tornarmos bípedes. Aliás, há outros órgãos vestigiais no nosso corpo, explicados somente após Darwin, como o próprio apêndice (do qual também me livrei anos atrás).
Por isso, depois de passar por dois procedimentos dolorosos como esse dos sisos e da apendicite, não dá para não parar e perguntar: "Pô, Deus, eu não poderia já ter nascido sem essas tranqueiras?". Se somos humanos, evoluídos, e já não precisamos mais disso, por que aí da sofrer por eles? Mas o que, enfim, nos define como humanos e evoluídos?
Conversando com meu companheiro dia desses em casa, ele me contou o caso de duas irmãs que cresceram em meio a uma alcatéia de lobos. Tinham o comportamento canino, eram arredias e sequer desenvolveram as cordas vocais para sons mais complexos. Quando foram colocadas em sociedade com outros humanos, tiveram dificuldade na adaptação e uma delas morreu. Daí ele comentou comigo: "o ser humano é o único ser que precisa aprender a ser o que ele é. Precisa se adaptar à humanidade, que não vem por instinto".
De fato, as outras espécies tem no instinto a sua formação social. Claro que muitas, submetidas ao convívio humano, acabam tendo seus comportamentos moldados. Mas em condições naturais, os animais têm suas formas de agir e viver bem definidas. E nós? O que nos define? O fato de andarmos sobre duas pernas e termos um polegar opositor? O fato de termos um cérebro bem desenvolvido? De que adianta termos tudo isso e não sabermos aplicar pelo bem da humanidade?
Tornar-se humano é um exercício que é mais intenso na infância e adolescência, momento de formação e afirmação da personalidade. Mas é uma tarefa diária. Vemos muitos esquecendo o que é humanidade no nosso dia-a-dia de uma forma bem triste, carregada de decepção com pessoas com quem convivíamos até com certo apreço e consideração. Pessoas que questionam Direitos Humanos, sem sequer se incluir neles e compreender que todos, errados ou certos nas nossas atitudes, somos iguais na nossa constituição - e na nossa Constituição.
Por mais que me doam os sisos, o apêndice ou a lombar, existem muitas outras dores maiores no processo de evolução humano. A dor de ver muitos de nós se tornando mais animalescos e transformando as nossas Leis em simples selvageria.
Afinal, ser humano não deveria ser uma locução substantiva, mas, sim, verbal. Sejamos humanos, sempre.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor dos livros Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades e Perversão. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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