Assumir que assisto o programa
Big Brother, muitas vezes tem a mesma conotação de que pratico assassinatos em
série. Me julgam como um criminoso sem nenhuma
possibilidade de perdão: prisão perpétua ou fogueira em praça pública para
deixar de ser imbecil.
Sempre assisti o programa e nunca
tive nenhum problema em assumir isso. Durante
três meses fico imerso naquelas histórias de ilustres desconhecidos, mas que
muitas das vezes possuem aquele mesmo perfil de um colega de trabalho, de um
vizinho ou de um grande amigo de infância.
Por isso acabamos detestando ou nos identificando com alguns deles.
Inspirado no livro 1984, de George Orwell, o programa já era sucesso no mundo quando foi lançado em 2002 no Brasil. Em 2019, chega à sua 19ª edição bastante fragilizado.
De uns tempos pra cá, a fórmula parece ter se repetido, como aqueles
bolos da vovó que ela faz sem sequer olhar os ingredientes da receita. Já não há alarmes ou surpresas. As provas já não assustam mais; a neura do
confinamento se esvaiu e os participantes parecem que estão tirando umas férias
em um spa.
Pedro Bial faz falta. Aqueles textos filosóficos sobre o nada ou
sobre o tudo desapareceram no discurso imediatista de Tiago Leifert. Falta a beleza de uma Grazi Massafera, a
inocência sexy de uma Sabrina Sato, o discurso enfático de um Jean Willys, uma
louca Tina batedora de panelas pela madrugada adentro. Tudo parece hermético e insípido e sequer há
emoção na despedida, mas continuo assistindo.
Afinal de contas, o que faz do programa atrativo?
Nunca assisti BBB com a lógica do
que o programa espera de seus espectadores.
Nunca votei em nenhum dos participantes, em nenhuma edição. Nunca
gostei dessa coisa interativa estilo “você decide”. Aliás, acho essa participação do público um
porre. Deveriam seguir outro modelo,
como o norte-americano, onde eles mesmos decidem quem fica, desenhando um jogo
mais inteligente. Gosto de assistir a maneira pela qual os
participantes vão se transformando ao longo dos meses em busca de fama e
dinheiro.
Ultimamente temos visto a prática
do mutirão de votos, que, para mim, é uma grande bola fora. Pelo que me lembre, o primeiro a levantar uma
legião de fãs, ávidos para fazer até o dedo cair de tanto votar, tenha sido Max
Porto em 2009, que usou e abusou dos amigos nas redes sociais para sagrar-se
campeão. Mas... o programa ficou na mão
de uma torcida organizada?
As edições posteriores tiveram
campeões sem tempero e alguns, inclusive, com desvios de caráter. E aí, além de tentar entender o que se
passava ali na cabecinha daqueles “sobreviventes”, eu tentava analisar que a
maioria dos votos refletia a própria imagem de uma sociedade doentia.
Ganha quem o povo quer. E esse querer revela, muitas vezes, imagens
sombrias e assustadoras. Nesta última
edição, a participante Paula já desponta como a campeã da temporada. No último “paredão”, a sister teve apenas
3,85% de rejeição. E quem é essa
pessoa? Típica patricinha mimada que não
compreende determinados assuntos, ironiza e ridiculariza os demais
participantes pela aparência com comentários preconceituosos e racistas, mas
acha que as pessoas se fazem de vítimas.
Assim que sair do programa, a
loura precisará depor na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância
por diálogos gravados no programa nos quais critica outro participante,
Rodrigo, negro e militante LGBT. “Eu
tenho muito medo do Rodrigo. Ele fala o tempo todo desse negócio de Oxum, que
ele conhece. Eu tenho medo disso, mas nosso Deus é maior”, disse.
Outra vez, relatou em uma
conversa com os outros participantes, frente às câmeras, que tinha ficado
indignada quando soube de um caso de feminicídio onde o criminoso não era um “favelado”,
e sim, um “branquinho”. E completou
outra vez que tinha beijado um rapaz, mas “não sabia que ele morava em uma favela”.
Declarações homofóbicas também já
foram vociferadas pela mineira. Para
ela, alguns homossexuais provocam as agressões que sofrem por tentarem se
comportar na rua como pessoas “normais” se beijando em shoppings, taxado por
ela como algo “exagerado”.
Em outros tempos, Paula já teria
sido eliminada. A versão Caco Antibes
real destila preconceito, mas a grande maioria das pessoas que a defende diz
que “ela não é nada disso, apenas diz o que pensa”, ou então que ela é “autêntica”.
Os menos de 4% do último paredão já
apontam Paula como a campeã do reality. O público que se identifica com a loura
é o mesmo que enxerga o assunto como mimimi.
E isso é assustador. Ou não... já que vivemos essa mesma rotina
assustadora em outros níveis.
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A opinião dos colunistas não representa necessariamente a posição editorial do Barba Feita, sendo estes livres para se expressarem de acordo com suas ideologias e opiniões.
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