Nesta última semana, o mundo foi
surpreendido pelo trágico incêndio em um dos locais mais visitados por todo o
mundo: a Catedral de Notre-Dame, em Paris.
Construída no século XII, levou cerca de 200 anos para ser concluída e, atualmente
com mais de 850 anos, guarda relíquias do catolicismo, como
fragmentos do que poderia ter sido a coroa de espinhos de Jesus Cristo, um pedaço
de madeira da própria cruz e um prego utilizado na crucificação. Ali foi realizada a coroação de Napoleão
Bonaparte a imperador e a beatificação de Joana D´Arc. Em 1314, os templários também teriam sido
queimados vivos em uma fogueira, na frente da catedral, condenados pelo Papa Clemente
V, influenciado pelo rei Filipe IV, que acusaram os templários de blasfemarem
contra a Igreja. Também teve grande
influência na literatura do período romântico quando Victor Hugo escreveu, em
1831, um de seus mais famosos livros, O Corcunda de Notre Dame, cenário da
história de Quasímodo e da cigana Esmeralda.
Notre-Dame ainda resistiu a duas guerras mundiais, à ocupação nazista e
à Revolução.
Notre-Dame recebe uma média de 35
mil pessoas por dia. Ano passado estive
lá e pude presenciar a sua grandiosidade.
Entrar naquela catedral foi uma experiência única. No dia não consegui subir os mais de 400
degraus para chegar até parte da torre e observar as gárgulas que a
cercavam. Mas, enquanto assistia uma
missa sonorizada pelo seu famoso órgão, que dava um clima soturno e tenebroso,
nos fazendo viajar para o sombrio clima gótico, prometi para mim mesmo que
voltaria em breve àquele mesmo lugar.
Em setembro do ano passado, o nosso
Museu Nacional também foi consumido por um incêndio. Devastador.
E ocorreu exatamente no ano em que o local comemorava dois séculos de
existência. O Museu Nacional era a
instituição científica mais antiga do país e com mais de 20 milhões de itens, de
uma hora para outra, praticamente tudo se tornou pó. Entre 1816 e 1821 foi a residência oficial da
família real no Brasil. Lá a mulher de
D. Pedro I, princesa Leopoldina assinou a Declaração de Independência do Brasil
(1822) e foi realizada a primeira Assembleia Constituinte (1824), para elaborar
a primeira Constituição brasileira. No museu
estava exposto o crânio fossilizado da brasileira mais antiga: Luzia, com cerca
de 11 mil anos. Também existia uma
coleção egípcia com múmias completamente intocadas – o que é uma raridade, pois
só devem existir menos de 10 no mundo inteiro.
O museu recebia poucas
visitas. Nem chegou a receber
integralmente a verba de R$ 520 mil por ano para sua manutenção em 2018. Cheguei a visitá-lo várias vezes. Estava abandonado, mas ainda assim guardava
elementos muito importantes para minha memória.
O Museu Nacional tinha sido o local de meu primeiro passeio escolar,
ainda no Jardim da Infância. Lembro-me
de ter ficado maravilhado quando entrei na sala dos esqueletos dos animais e todas
as vezes que eu voltava, tinha a mesma sensação de espanto e admiração. Da última vez que o visitei, fui sozinho e
prometi para mim mesmo que levaria alguns amigos para conhecê-lo posteriormente.
Os dois incêndios obviamente
causaram uma grande comoção. Entretanto,
algumas comparações precisam e devem ser reforçadas. Em Paris, os bombeiros ainda tentavam apagar
o fogo e o presidente francês, Emmanuel Macron, que anda bem impopular, na
verdade, se reconectou com os cidadãos franceses, deixando sua imagem arrogante
para trás. “Somos este povo de
construtores, temos tanto para reconstruir, por isso, sim, reconstruiremos a
Catedral de Norte-Dame e quero que isso esteja concluído dentro de cinco
anos", estimou Macron. E garantiu, com confiança: "Temos muito a fazer.
Agiremos e conseguiremos."
No Brasil, após o incêndio no
Museu Nacional, o então candidato Jair Bolsonaro, durante campanha
presidencial, deu a seguinte resposta ao ser questionado sobre o incidente por
jornalistas em uma entrevista coletiva: “Já
está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê? (...) O meu nome é Messias, mas
eu não tenho como fazer milagre”.
Ainda não haviam sido apagadas as
chamas quando foi realizada uma grande corrente de doações em Paris para a
reconstrução da catedral. Em menos de 24
horas já havia sido contabilizado mais de R$ 2,8 bilhões. A família Arnault, dona de grifes como a Louis
Vuitton, desembolsou R$ 875 milhões. Os
donos da Gucci e L´Oreal também entraram na lista de doações. Dizem que, inclusive, há uma brasileira: Lily
Safra, viúva do dono do Banco Safra, que teria doado 88 milhões de reais. Estima-se que já existam mais de 4 bilhões em
doações destinados à reconstrução da Notre-Dame.
Já no Brasil, sete meses após o incêndio do nosso Museu Nacional,
não podemos ter o mesmo otimismo. Órgãos
estrangeiros como o governo alemão e a British Council doaram juntos, cerca de
950 mil. A Associação dos Amigos do
Museu recebeu R$ 15 mil de pessoas jurídicas e R$ 142 mil de pessoas físicas no
Brasil. Estima-se que a reconstrução do
museu gaste em torno de R$ 100 milhões.
Os exemplos aqui citados foram só
uma pequena forma de exemplificar o tamanho do descaso que temos pela nossa
história. Nos dois episódios fiquei
extremamente abalado, pois parecia que uma parte de minhas boas recordações
tinham sido arrancadas de mim. Apesar do
vazio, restou uma esperança ao ver que a recuperação da Notre-Dame está
garantida. Mas e o nosso museu? Quando essa mobilização vai estar presente na
vida de nós cidadãos e dos empresários?
Onde estão os milionários brasileiros (sim, eles existem) que precisam
entender que o futuro depende da preservação de nossa memória?
Que a linda e imponente Notre-Dame
nos inspire.
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A opinião dos colunistas não representa necessariamente a posição editorial do Barba Feita, sendo estes livres para se expressarem de acordo com suas ideologias e opiniões.
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