Quando eu era pequeno, existia um comercial que passava na TV sobre os videocassetes Semp Toshiba, no qual um menino gordinho passava na fila de um cinema e começava a cantarolar: “A mocinha morre no final, a mocinha morre no final!”. Depois ele passava de novo e completava: “Quem matou foi o marido, quem matou foi o marido!”. Em ambas as falas, ele terminava dando a língua para os clientes do cinema. A graça era mostrar que, em casa, usando seu videocassete, você não correria riscos de passar por isso – que acabou, posteriormente, ganhando o nome de spoiler. Mas, no fundo, a gente sabe que, em circunstância alguma, spoiler tem graça.
Infelizmente, temos vivido um momento em que há um certo prazer em estragar a surpresa dos outros com filmes e séries. Aliás, a tradução literal de "spoiler" é "estragador" - daí também vem a palavra "spoiled", que é "mimado", ou seja, aquele que foi estragado por outra pessoa atendendo às suas vontades sempre. Isso explica muita coisa: vivemos um período em que somos cercados por pessoas mimadas, que olham apenas para seus próprios umbigos e pensam apenas em si, além de quererem ser vozes ativas em redes sociais, donos de informações exclusivas que ninguém tem. Bum! Está pronto o caldeirão explosivo de spoiled que dão spoilers.
Poucos minutos antes de ir assistir a Vingadores: Ultimato, o que fiz na última sexta-feira, recebi um GIF de um "amigo". A imagem estática de abertura era de uma panicat de costas; se você clicasse, mostrava uma das principais cenas do filme, já próximo ao final, com a palavra "spoiled" escrita na tela. Por sorte, nem eu nem ninguém lá em casa abriu o GIF antes - eu o fiz logo após sair do cinema e fiquei muito chateado com a pessoa que enviou. Certamente, se visse antes, teríamos brigado feio... Eu reclamei e disse que isso não foi legal, nem engraçado. Ele, simplesmente, ignorou o meu protesto. A mesma sorte não tiveram outros dois amigos que abriram o GIF ainda sem ver o filme...
Ainda no fim de semana, também sobre Ultimato, um homem se levantou no meio de uma sessão na cidade de São Gonçalo (RJ) e simplesmente começou a contar o que aconteceria logo após. Houve confusão e o filme só recomeçou 30 minutos depois. Provavelmente, extremamente frustrante para as centenas de pessoas que estavam na sala. Ontem de manhã, ao abrir meu Facebook, vi um conhecido elogiar o mesmo filme, mas colocar: "sacanagem que fulano morreu". Qual a necessidade disso? Qual a real graça disso? Ou melhor: o que a pessoa ganha com isso?
Na semana anterior, fui assistir a Shazam!, um dos heróis que eu acompanhava na minha infância e adolescência (tenho até hoje algumas revistinhas do antigo Capitão Marvel). Dias antes, vi uma pessoa postar umas considerações no Instagram com um poster desenhado que entregava o ápice e principal surpresa do filme. Cheguei a me perguntar: será que a pessoa não tem noção de que isso é um spoiler? Será que ela não percebe que não deveria fazer isso? Ou será apenas a vontade de ser um estraga-prazeres?
Sim, existe gente que pouco se importa em saber histórias. Eu, por exemplo, sabia um bocado das histórias de Game of Thrones e de Star Wars antes de assistir e gostar das duas produções. Acompanhava comentários nas redes sem me importunar, lia matérias para ficar informado... Era uma decisão minha. Conheço pessoas que leem o fim do livro para depois ver como o autor chega até lá, porque acham o caminho mais divertido do que a finalidade. Ok. Decisão delas. Agora, não decida por ninguém o que deve ou não surpreendê-la... Não seja o gordinho da Semp Toshiba.
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Paulo Henrique Brazão, nosso colunista oficial das quartas-feiras, é niteroiense, jornalista e autor dos livros Desilusões, Devaneios e Outras Sentimentalidades e Perversão. Recém chegado à casa dos 30 anos, não abre mão de uma boa conversa e da companhia dos bons amigos.
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