Quem me conhece sabe que não
perco um desfile de escolas de samba.
Faço isso desde que era bem pequeno e muito de minhas inspirações vem de
elementos que absorvi no mundo mágico das fantasias, carros alegóricos,
sambas-enredo e aquela correria frenética dos barracões.
Todo mundo já está completamente
careca de saber que, desde os primórdios, as escolas de samba sempre tiveram o
apoio de “patronos”: homens que comandavam a agremiação através da
contravenção, como o jogo do bicho, por exemplo. Em praticamente todas as escolas, os chamados
“bicheiros” ditavam o patrocínio para literalmente pôr o bloco na rua. Por isso, acho patético a ponto de revirar os
olhos quando dizem que fulano, beltrano ou sicrano “é suspeito de ter ligação
com o bicho”. É só olhar para trás e ver
enredos como “Sonhar com rei dá Leão”, de 1976 para ver a resposta.
Hoje, a maioria dos bicheiros já
está nas últimas. Outro dia, em um
evento sobre Carnaval, estavam juntos Anisio Abraão David, Capitão Guimarães,
Luizinho Drummond, Turcão e Jaider Soares.
Somados, quase 500 anos de história.
Seus herdeiros continuam, cada vez mais, enveredando pelo caminho dos
baticuns dos tamborins, porém, com um viés bem diferenciado como o que víamos
entre os anos 70 e 90, já o jogo do bicho e as maquininhas de caça-níqueis já
não são mais uma febre.
Neste contexto, as escolas precisaram
se modernizar e apareceram novos carnavalescos, mesmo que logicamente ainda
influenciados pela quina de ases dos mestres Rosa Magalhães, Arlindo Rodrigues,
Fernando Pamplona, Renato Lage e Joãosinho Trinta. Hoje se trabalha com sustentabilidade e foi
necessário investir em gestão de projetos, apesar de isso ainda ser quase que
um palavrão dentro da administração de algumas agremiações.
Entretanto, tenho a impressão de
que os desfiles tornaram-se protocolares demais. Nunca mais presenciei uma verdadeira explosão
do público na arquibancada, um samba cantado a plenos pulmões ou algo
revolucionário como os inesquecíveis desfiles de Joãosinho Trinta, que
organizava muito bem as suas narrativas e ousadias para os 700 metros da
Sapucaí. Sim, estou sendo saudosista
como aquele velho enredo da Caprichosos de Pilares (que nem existe mais)
chamado “E por falar em saudade...”
Temos um bispo prefeito que odeia
Carnaval. E que desde sua posse nunca
apareceu para a tradicional cerimônia de entrega das chaves da cidade pelo Rei
Momo, confundindo gosto pessoal com protocolo institucional. Um indivíduo que inventa números para dizer
que a festa dá prejuízo, sendo que notoriamente é o evento que gera mais lucro
e visibilidade para a cidade, juntamente com o réveillon. Um ser que a cada ano mingua ainda mais a
festa com a desculpa de que está transferindo recursos para os hospitais e
creches, apesar de ninguém ver melhoria alguma nestas áreas.
E aí, ainda para piorar o
cenário, os manda-chuvas da Liga Independente das Escolas de Samba, com seu
formato quadradão há quase quatro décadas, resolveram se reunir esta semana para
mudar um regulamento. Nele, revogaram o
rebaixamento da escola Imperatriz Leopoldinense, outrora bicho-papão do
Sambódromo nos anos 90 e 2000. A própria
escola de Ramos, que na sua história já foi rebaixada três vezes, se beneficiou
do quarto rebaixamento em 1988 com a Unidos do Cabuçu para no ano seguinte ser
a campeã com o clássico “Liberdade Liberdade abra as asas sobre nós” na
emocionante disputa com o célebre “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, da
Beija-Flor.
O fato é que por 8 votos a 5, os
chefões decidiram manter a Imperatriz Leopoldinense no grupo especial, fazendo
com que o presidente da Liesa, Jorge Castanheira (que não concordava com a
decisão) renunciasse ao cargo. No velho
estilo “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, essa decisão só afasta ainda
mais patrocínios e parceiros para essa nova forma de se tentar manter o padrão
dos desfiles. E, obviamente, mancha de
vez uma credibilidade tanto questionada pela prefeitura, que agora tem garfo,
faca, queijo, goiabada e guardanapo para limpar os beiços e atirar a sua “metralhadora
cheia de mágoas” para todas as direções.
Vale ressaltar que Portela, Vila
Isabel, Viradouro, Mangueira e Beija-Flor votaram contra essa nova virada de
mesa.
Muito triste ver no que um
espetáculo tão grandioso se transformou.
Mas meu lado otimista e fã do samba ainda tem esperança de que ainda
possamos assistir uma nova explosão apoteótica neste enredo, tal qual a beleza
da letra da célebre canção de Nelson Sargento.
Samba,
Inocente, pé-no-chão,
A fidalguia do salão,
Te abraçou, te envolveu,
Mudaram toda a sua estrutura,
Te impuseram outra cultura,
E você não percebeu,
Mudaram toda a sua estrutura,
Te impuseram outra cultura,
E você não percebeu.
Inocente, pé-no-chão,
A fidalguia do salão,
Te abraçou, te envolveu,
Mudaram toda a sua estrutura,
Te impuseram outra cultura,
E você não percebeu,
Mudaram toda a sua estrutura,
Te impuseram outra cultura,
E você não percebeu.
Samba,
Agoniza mas não morre,
Alguém sempre te socorre,
Antes do suspiro derradeiro.
Agoniza mas não morre,
Alguém sempre te socorre,
Antes do suspiro derradeiro.
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